AFEGANISTÃO: O ESPORTE EM MEIO AO CONFLITO

FEA Sports Business
6 min readAug 29, 2021

--

Atual crise política/humanitária e os seus reflexos nos esportes praticados no país.

Por João Mesquita, Kaique Oliveira, Luan Azevedo e Luiz Schalka.

PASSADO CONTURBADO

No último mês, a crise política e humanitária do Afeganistão se acentuou devido à retirada das tropas americanas do solo afegão, e ao avanço da dominação do Talibã. A origem desse conflito, no entanto, remonta aos tempos da Guerra Fria: entre os anos de 1979 e 1989, a União Soviética invadiu o Afeganistão com o intuito de instaurar o socialismo no país. Essa medida desagradou grupos religiosos fundamentalistas afegãos.

Por sua vez, os Estados Unidos e outros países ocidentais, evitando o confronto direto com a União Soviética, passaram a financiar milícias locais para lutar contra o exército socialista. Muitos dos rebeldes financiados por esses países eram conhecidos como mujahedins (ou “guerreiros da fé” em português), que eram guerrilheiros que lutavam em nome da fé islâmica.

Com o desenrolar do conflito e a retirada das tropas soviéticas da região, alguns mujahedins constituíram um grupo fundamentalista sunita que passou a lutar pelo controle político da região, objetivando a instauração de um Estado Islâmico no Afeganistão: tal grupo depois ficou conhecido como Talibã.

TRISTE REALIDADE

O anúncio da retirada das tropas ocidentais incendiou o caos no já instável Afeganistão. O território foi, pouco a pouco, sendo ocupado pelo Talibã, até que, no dia 15 de agosto, o presidente afegão Ashraf Ghani deixou o país em direção ao Tajiquistão. Com isso, quase 20 anos depois de saírem do poder, o Talibã retomou o controle do Afeganistão.

Cenas de horror espalharam-se pelas mídias tradicionais e redes sociais. Pessoas desesperadas com o terror iminente foram mostradas correndo em direção aos aviões evacuando o país. Segundo a Força Aérea norte-americana, restos mortais foram encontrados nos trens de pouso dos aviões que partiram de Cabul, capital do Afeganistão, demonstrando a gravidade da situação.

Avião de carga com mais de 600 civis deixando o Afeganistão -Fonte: BBC

Graças ao histórico do grupo fundamentalista, os cidadãos afegãos fazem o que podem para fugir do país. Quando controlavam o Afeganistão, entre 1996 e 2001, o Talibã impedia que mulheres estudassem, trabalhassem e tivessem qualquer contato com homens que não fossem da sua família, além de impedi-las de mostrar qualquer parte do corpo. De acordo com as lideranças talibãs, o novo regime está comprometido a respeitar os direitos das mulheres e elas estarão autorizadas a exercer as suas atividades estudantis e profissionais. Contudo, a dúvida ainda paira no ar quanto às afirmações.

Michelle Bachelet, ex-presidente do Chile e atual alta comissária dos Direitos Humanos na ONU, informou o recebimento de relatórios confiáveis sobre graves violações dos direitos fundamentais cometidas pelo Talibã, incluindo “execuções sumárias” de civis e tropas inimigas rendidas. A representante da ONU não deu mais informações em seu discurso ao Conselho de Direitos Humanos, mas pediu para que o grupo monitore de perto a situação de vulnerabilidade dos civis no Afeganistão. Líderes do G7 também se reuniram virtualmente para debater a crise humanitária e política no país.

Michelle Bachelet, durante sessão especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre a situação no Afeganistão - Fonte: Globo.com

E O ESPORTE COM ISSO?

O ano de 2021 ficará marcado por, entre outros, dois eventos. Os Jogos Olímpicos e Paralímpicos de Tóquio, e o retorno do Talibã após quase 20 anos. Mas, qual a relação desses acontecimentos?

Voluntário carregando bandeira afegã na abertura das Paraolimpíadas - Fonte: Globo.com

O Afeganistão levou uma modesta delegação de 2 atletas para os Jogos Paralímpicos. Uma de taekwondo, a primeira mulher a competir pelo país, e outro da mesma modalidade. Os atletas foram inicialmente desclassificados pelo Comitê Paralímpico Internacional (IPC), por não conseguirem embarcar em Cabul para Tóquio. Felizmente, os atletas conseguiram evacuar, escapando da crise humanitária de seu país natal, e podendo disputar o torneio.

Zakia Khudadadi, atleta afegã de taekwondo - Fonte: Globoesporte.com

O medo que permeia o meio esportivo é de que se repita, no cenário atual, o que aconteceu entre 1996 e 2001. O Talibã, quando esteve no comando do país, proibiu as mulheres de praticar esportes, e tão menos trabalhar com isso. Homens, apesar de menos, também são afetados. Na tradição muçulmana, os homens não podem mexer com suas barbas, o que gerou um caso curioso, em que numa competição de boxe paquistanesa, um pugilista afegão foi desclassificado por sua barba ser muito robusta. Além disso, as condutas rígidas impostas pelo grupo extremista causaram o banimento da delegação afegã dos Jogos Olímpicos de Sidney (2000).

Atualmente, com todas as tensões criadas pela nova era de opressão do Talibã, a tendência é de que os atletas busquem refúgio em outros países para praticar seu esporte. Isso acontecerá principalmente com as mulheres, que são as que mais sofrem com as imposições religiosas do grupo fundamentalista. Samira Asghari, integrante afegã do Comitê Olímpico Internacional, pediu a ajuda dos EUA para que atletas e equipes técnicas fossem retiradas do instável país caucasiano. A situação é tão grave que Khalida Popal (ex-capitã do time de futebol feminino afegão) recomendou às atletas que apaguem suas contas nas redes sociais, removam suas identidades públicas e até queimem seus uniformes para que não sofram perseguições do Talibã.

Samira Asghari, integrante afegã do Comitê Olímpico Internacional - Fonte: Olympics.com

Num ambiente rígido, autoritário e opressor, como o criado pelo grupo extremista muçulmano, a prática esportiva, em nível amador e profissional, se dificultará cada vez mais. Praticar algum esporte é uma forma de expressão e liberdade, o que contrasta com os dogmas e preceitos do Talibã. Enquanto o grupo permanecer no comando do país, o esporte dificilmente conseguirá exercer sua função social e cultural no cotidiano de crianças e jovens. Ainda assim, o esporte não padecerá, e mesmo que de forma rebelde, seu caráter lúdico, educador e promotor de esperança permeará o tecido social por anos ainda.

EM SUMA…

Com a tomada do poder pelo Talibã no Afeganistão, a sociedade civil como um todo foi impactada. A instituição perseguiu minorias, suspendeu direitos e censurou veículos de imprensa. Todas essas questões merecem a atenção da comunidade internacional e devem ser debatidas com urgência. No entanto, num ano marcado pelos Jogos Olímpicos e Paralímpicos, deve-se questionar também como o avanço do Talibã afeta o cenário esportivo do Afeganistão, já que o esporte possui uma função social e esteve presente na vida de vários afegãos e afegãs anteriormente.

FONTES:

Chefe de Direitos Humanos da ONU diz ter relatórios confiáveis ​​de execuções do Talibã no Afeganistão

Afeganistão: os restos mortais em trem de pouso de avião dos EUA

Talibã toma Cabul e presidente do Afeganistão deixa o país

Conselho de Direitos Humanos da ONU se reúne para debater situação no Afeganistão

Talibã tem histórico de afetar o esporte no Afeganistão

Afeganistão traz mais um exemplo de que política e esporte não se separam

Integrante afegã do COI pede ajuda dos EUA para retirar competidoras

Atletas do Afeganistão conseguem chegar a Tóquio e vão disputar as Paralimpíadas

As origens do Talibã

--

--

FEA Sports Business
FEA Sports Business

Written by FEA Sports Business

A FEA Sports Business é uma entidade universitária da FEA USP, que tem como objetivo fazer parte da mudança e da profissionalização da gestão esportiva no país.

No responses yet