ATLÉTICO MG: O PREÇO DA BUSCA POR SUCESSO
Uma análise histórica e financeira do clube mineiro.
Por Ana Karoline, Gabriel Landim, João Mesquita e Lucas Muniz.
Em 112 anos de história, o Clube Atlético Mineiro - Galo, para os íntimos - trouxe muita alegria, tristeza, tensão e orgulho a seus torcedores e aos amantes de futebol. O clube conta com 45 títulos estaduais, 5 títulos nacionais e 4 títulos continentais, sendo 2 deles o título de campeão da Copa Libertadores da América, em 2013, e campeão da Recopa Sul-Americana, no ano seguinte. Com destaque, esses últimos evidenciam a resiliência do alvinegro, que vinha de uma crise decorrente da série de derrotas sofridas e protagonizava manchetes que questionavam o potencial do elenco e do clube.
Anos depois, o “Time do Impossível” se depara com uma nova crise - não sendo, desta vez, um reflexo do desempenho nos gramados. Com dívidas crescentes e receitas no caminho oposto, surge o desafio de novamente frear os custos, liquidar os débitos mais urgentes e tentar, dessa forma, evitar o destino encontrado por um outro alvinegro não tão distante assim: o Botafogo.
HISTÓRICO DE ENDIVIDAMENTO E ANÁLISE DO CAIXA
Atualmente, o Atlético Mineiro vem ganhando cada vez mais destaque nas movimentações do mercado brasileiro. Possuindo um projeto muito ambicioso, o alvinegro mineiro não mediu esforços em contratações de renome, visando se tornar um dominante de títulos do futebol brasileiro. Entrementes, será necessário muito esforço a fim de honrar todos os compromissos financeiros assumidos, levando em conta seu crescente endividamento em um cenário pandêmico - com queda de arrecadação de receitas.
Em 2019 o time chegou a sua maior dívida na década (R$ 656 milhões), seguindo uma tendência crescente de anos consecutivos atingindo os maiores endividamentos - 2017 com R$ 538 milhões e 2018 com R$ 595 milhões. Por consequência, o clube divulgou uma carta aberta discorrendo acerca deste aumento, em que a diretoria o justifica por meio da evolução de dívidas anteriores, corrigidas pelas taxas do mercado e juros. Além disso, buscou amenizar a situação ao informar que houve não só uma diminuição do déficit em comparação aos anos anteriores, mas também uma evolução do clube em comparação com outros da elite do futebol brasileiro.
Embora suas receitas tenham aumentado de 2018 para 2019, o valor dessa dívida ainda é alarmante, visto que outros indicadores vêm piorando cada vez mais. Um exemplo disso é a relação entre as receitas e dívidas do clube, a qual chegou em um patamar preocupante, assemelhando-se a uma das piores na história recente do clube - ocorrida em 2014, com uma associação de 3 vezes mais dívidas em comparação às receitas nesse período.
Atualmente, o alvinegro mineiro se encontra em uma situação parecida, com sua relação em 2,9 , porém o cenário torna-se ainda mais preocupante ao considerar que o Atlético Mineiro possui uma dívida total superior às anteriores, sendo que boa parte dela a ser paga a curto prazo - contudo sem descartar a relevância das exigibilidades de longo prazo também.
Com base no gráfico acima, nota-se que ambos os índices de endividamento -isto é, de curto e longo prazo - possuem um crescimento ao longo dos anos, indicando o aumento recorrente, tanto dos passivos circulantes (com prazo de vencimento de até um 1 ano), quanto dos passivos não-circulantes (com prazo de vencimento em mais de 1 ano).
Tais índices acabam por corroborar o histórico de endividamento crescente do clube nos últimos anos, principalmente se associados ao aumento dos exigíveis para com credores, atletas e outros clubes envolvidos em transferências feitas pelo time mineiro a fim de reforçar seu elenco.
Vale ressaltar ainda que, juntamente com o crescimento do endividamento, foi observado também um expressivo incremento da necessidade de capital de giro do clube: de 2018 a 2019 notou-se um aumento da necessidade de capital de giro em cerca de 56%. Esse número é ainda mais significativo ao analisar a variação em um período de 3 anos, com um aumento de 85% no valor. Consequentemente, expõe-se a necessidade do clube mineiro em aumentar o seu caixa.
Nesse sentido, torna-se pertinente uma análise detalhada da conta caixa e equivalentes de caixa, visualizando as variações registradas ao longo desse intervalo de 4 anos, por meio das demonstrações do fluxo de caixa, com o intuito de identificar se há a possibilidade de o alvinegro mineiro conter o vertiginoso crescimento de suas dívidas.
A análise vertical é de grande importância para a conta Caixa, tendo em vista que aponta a relevância dela em relação ao total dos ativos, além de sua evolução ao longo do tempo.
O gráfico indica que, apesar do aumento significativo notado em 2017, a tendência decrescente verificada nesse mesmo recorte temporal demonstra a perda de representatividade da conta. Isso torna-se preocupante, ao considerar-se que as disponibilidades são os registros contábeis dos recursos imediatamente disponíveis - ou seja, de maior liquidez - para a efetuação de pagamentos.
Ao mesmo tempo, é possível relacionar este gráfico ao de endividamento, levando em conta que, com a menor disposição de recursos de maior liquidez para quitar dívidas, o clube termina por assumir mais passivos e, consequentemente, aumentar seu endividamento de curto e longo prazo.
No entanto, é imperioso averiguar as causas dessa perda de relevância da conta Caixa e seus equivalentes ao longo desse período, a qual far-se-á por meio da verificação das Demonstrações do Fluxo de Caixa.
O gráfico das Demonstrações do Fluxo de Caixa explica o pouco destaque da conta caixa ao longo do período: com a exceção do ano de 2017, em que o saldo final registrado foi maior que o inicial (convergindo com o aumento do peso das disponibilidades em relação ao total dos ativos no gráfico da análise vertical), em todos os outros anos, o saldo final foi sempre inferior ao inicial. A causa disso pode ser verificada no fluxo de caixa das atividades operacionais e de investimento que tiveram uma tendência decrescente.
Sobre o fluxo de caixa das atividades operacionais - registro feito pelo método indireto -, pode-se averiguar o impacto dos 3 anos consecutivos de déficits do exercício registrados (2017, 2018 e 2019), estrangulando o “caixa do dia a dia” do clube (ou seja, envolvendo ativos e passivos circulantes, como contas a receber e pagamentos de curto prazo a realizar). Ainda assim, é importante frisar a implicação gerada ao fluxo de caixa operacional negativo em 2018 e 2019 pelo decréscimo de ativos no mesmo período: destaque para Contas a receber (com um saldo negativo crescendo, indicando que valores a serem recebidos foram parcelados e, portanto, postergando-se os seus recebimento para os próximos exercícios - sendo isso negativo, tendo em vista a necessidade de caixa do clube para quitar suas dívidas) e participações societárias.
É válido, também, ressaltar que, em contrapartida ao parcelamento de recebimentos retratado, o clube mineiro também conseguiu parcelar pagamentos de seus exigíveis, o que pode ser identificado nos passivos positivos registrados em 2016, 2018 e 2019.
Já em relação ao fluxo de caixa das atividades de investimento, ainda que os valores negativos registrados indicam perdas no fluxo de caixa do clube alvinegro, tais custos e despesas neste processo são facilmente justificadas e positivas, principalmente levando em consideração que um dos principais componentes do ativo intangível é o custo de formação dos atletas da categoria de base. Nesse sentido, percebe-se um investimento que tem por objetivo formar jogadores que tragam retornos tanto técnicos, agregando ao time principal, quanto, também, financeiros, considerando-se a possibilidade de vendas futuras.
Em razão dos fluxos operacional e de investimento, nota-se a tendência crescente do fluxo de caixa das atividades de financiamento: a necessidade de liquidar seus exigíveis fez com que o clube tomasse mais empréstimos com mais frequência. No entanto, ao mesmo tempo, os juros auferiram acréscimo por sobre o pagamento desses empréstimos, ainda sem a mesma proporção de crescimento que as de captações - resultando, dessa forma, num fluxo de financiamento sempre positivo -, mas que pode, com a possível renegociação de dívidas e necessidade de buscar novos empréstimos, possuir uma evidente proporção maior no futuro numa espécie de efeito ‘bola de neve’.
INDICADORES DE SOLVÊNCIA E ALAVANCAGEM: KANITZ E GAO
De forma geral, é possível entender o panorama financeiro do clube. Ainda assim, cabe uma maior especificação, a qual dar-se-á, inicialmente, por meio da análise do termômetro de Kanitz. Fruto da tese de livre-docência de Stephen Charles Kanitz, o termômetro tem por objetivo definir o grau de solvência, isto é, a capacidade de arcar com os compromissos financeiros da entidade - objeto da mensuração, o qual pode ser classificado em estado de solvência, estado de penumbra ou de insolvência.
Vale ressaltar que esse indicador serve, originalmente, como um norte estatístico para investidores analisarem empresas de capital aberto. Ainda assim, o modelo considera elementos comuns à maioria dos balanços e demonstrações financeiras, podendo ser aplicado, dessa forma, também às associações, como é a maioria dos clubes futebolísticos.
Aplicando o termômetro de Kanitz nas finanças do clube mineiro, surge o resultado de 0,3, indicando que o alvinegro se equilibra entre a solvência e a penumbra. Isso significa que o clube possui uma certa solvência, mas, em caso de descuido com suas finanças, pode se deslocar para a penumbra. Ainda assim, a possibilidade de falência do clube no curto prazo é praticamente nula.
Essa proximidade do clube com o estado de penumbra, pode decorrer da manobra de alavancagem operacional realizada pelo clube nos últimos anos. A alavancagem consiste na utilização do capital de terceiros para incrementar a rentabilidade de um negócio a partir do endividamento. Seria semelhante a um empréstimo, que, em vez de ser aplicado no caixa, é injetado diretamente no patrimônio da empresa. No curto prazo, essa prática faz com que a firma aumente seus lucros, mas, no longo prazo, pode representar o início de uma dívida imensa, já que parte do seu capital pertence a outros negócios.
Recentemente, o Atlético realizou manobras de alavancagem com as empresas que o patrocinam para viabilizar maiores investimentos no mercado e, a partir disso, disputar postos mais altos nos torneios nacionais e continentais. A questão é que, apesar de sua rápida ‘melhora’ financeira, o clube corre o risco de contrair uma dívida consideravelmente grande para os próximos anos, caso seu planejamento não seja eficiente.
Ao medir o grau de alavancagem operacional (GAO) do Atlético entre 2017 e 2019 (tomando o ano de 2016 como base), é perceptível uma variação gigantesca nesse índice. Em 2017 e 2018 o GAO foi de 16806% e 5090%, respectivamente. Isso significa que houve um grande aumento na receita do clube, assim como em seu endividamento. Já em 2019, a variação foi de -4458%, indicando que houve um aumento no faturamento, seguido de um inesperado déficit no resultado operacional do balanço.
O grau de alavancagem do Atlético nos últimos anos foi muito acentuado em comparação ao de outros clubes de elite do futebol brasileiro. Para efeito de comparação, confrontou-se os valores do alvinegro mineiro com os do Flamengo, rival direto na briga pelo título do campeonato brasileiro na última temporada. Do exposto, é perceptível a diferença entre o Atlético Mineiro — com suas grandes variações percentuais — e o clube da Gávea com valores absolutos mais controlados.
Além disso, no que tange aos responsáveis pela alavancagem operacional do Galo, podem ser citados seus principais investidores, Rubens Menin (um dos fundadores da MRV e CNN Brasil) e Ricardo Guimarães- proprietário do grupo BMG. Ambos os empresários fazem parte da vida política do clube e são considerados por parte da mídia como os “mecenas” desse projeto audacioso de expressivo aumento dos gastos em busca de títulos.
FONTE:
Análise Econômico-Financeira dos Clubes Brasileiros de Futebol
Análise Financeira Atlético-MG 2019 - Pluri Consultoria
Itaú BBA diz que Atlético tem maior dívida entre os clubes do Brasil
Consultoria conclui que dívida do Galo esta próxima de R$ 700 milhões
Em carta aberta, Atlético-MG explica endividamento do clube: “Evolução da dívida anterior”