Escândalos com apostas esportivas no Brasil e como evitá-los

Panorama sobre a “Operação Penalidade Máxima”, escândalos em ligas no exterior e como impedir novas ocorrências.

FEA Sports Business
9 min readJun 28, 2023

por Gustavo Savino, Matias Prata e William Soares

Alguma vez navegando pelas redes sociais você já deve ter se deparado com um post com algum erro grotesco em algum esporte com um comentário como “isso com certeza é (influência das) casas de apostas”.

Exemplo de post sobre apostas em redes sociais (reprodução: internet)

Cada vez mais esse setor de jogos de azar se faz presente no mundo esportivo, no caso do Brasil, principalmente no futebol masculino. Apesar das apostas esportivas permitirem uma diversão e até fonte de renda para fãs de esporte, nem tudo são rosas, já que frequentemente vemos no noticiário investigações de escândalos envolvendo apostas esportivas.

Infelizmente, no nosso país a legislação ainda é muito ultrapassada e fraca nesse setor, o que facilita o uso mal intencionado desse jogo de azar. Atualmente, qualquer tipo de jogo de azar é proibido no Brasil, porém existe uma lei de 2018 que legaliza a operação de casas de apostas esportivas em território nacional. Desde que operem em partidas esportivas com apostas de cota fixa (ganhos pré-definidos), as casas tem permissão para operarem no país. Devido a essa fraca legislação e inexistente regulamentação, a fiscalização acaba sendo quase nula e dá espaço para escândalos acontecerem.

Operação Penalidade Máxima

No começo desse ano, veio à tona no Brasil a operação Penalidade Máxima, que investiga escândalos de apostas no futebol brasileiro envolvendo grandes clubes e jogadores da série A do campeonato brasileiro.

A investigação começou após o presidente do Vila Nova descobrir que o jogador Romário estava envolvido em um esquema de pênaltis na última rodada da série B de 2022. Após investigações do Ministério Público de Goiás, foi descoberto que mais 3 jogos da última rodada também estavam com escândalos envolvendo penalidades máximas. Em fevereiro desse ano, o MP de Goiás deflagrou a 1a fase da “Operação Penalidade Máxima” que denunciava a existência de esquemas relacionados à pênaltis em 4 jogos da última rodada da série B de 2022. Oito jogadores e seis apostadores foram denunciados nesta 1a fase da operação.

Romário, ex-jogador do Vila Nova que estava envolvido em esquema de pênaltis na última rodada da série B de 2022

Após a deflagração da 1a fase da operação, as investigações continuaram e em maio desse ano veio a público a 2a fase da “Operação Penalidade Máxima”, que apontava que alguns jogadores das séries A e B do campeonato brasileiro teriam sido assediados a tomar cartões amarelos e vermelhos, o que é claramente proibido. Os casos seguem sobre investigação e já contaram com 20 mandados de apreensão, um em Goiás, três mandados no Rio Grande do Sul, dois mandados em Santa Catarina, um no Rio de Janeiro, dois no Pernambuco e 11 no estado de São Paulo, além de três prisões preventivas no estado de São Paulo. Entre os investigados, estão jogadores, intermediários, não descartando que essas pessoas também sejam jogadores de futebol. Segundo os promotores, as ofertas dos aliciadores variavam entre R$ 50 mil e R$ 100 mil.

Até o momento 26 pessoas estão denunciadas ao MP, 15 jogadores(Allan Godói, André Luiz, Eduardo Bauermann, Fernando Neto, Gabriel Domingos, Gabriel Tota, Igor Cariús, Joseph, Mateusinho, Matheus Gomes, Paulo Miranda, Paulo Sérgio, Romário, Victor Ramos e Ygor Catatau) e 9 apostadores(Bruno Lopez de Moura, Ícaro Calixto, Luís Felipe Rodrigues, Pedro Gama dos Santos, Romário Hugo dos Santos, Thiago Chambó, Victor Yamasaki, Willian de Oliveira Souza e Zildo Peixoto)

Eduardo Bauermann, um dos jogadores cujo caso de manipulação mais se repercutiu.

Escândalos ao redor do mundo

Se engana quem pensa que o Brasil é o único lugar no mundo que enfrenta escândalos envolvendo apostas esportivas, na realidade há décadas outros países tem que lidar com casos como esses, e muitas vezes até piores, de atletas e demais profissionais da área que em troca de compensação financeira afetam a integridade competitiva do esporte, prejudicando os companheiros e a própria instituição onde trabalham.

Um dos primeiros grandes casos noticiados envolvendo esquema de apostas ocorreu no futebol italiano na temporada 1979/80 e ficou conhecido como Totonero. Naquela época as apostas esportivas num panorama geral eram pouco conhecidas, então casos como esse eram quase inexistentes. Resumidamente, a confederação de futebol italiana na época descobriu que 27 jogadores de 7 clubes diferentes estavam num esquema onde o intuito era que eles perdessem suas respectivas partidas de propósito enquanto apostavam na vitória do rival. A repercussão foi tão grande que 48 pessoas, incluindo atletas e dirigentes, foram presas, sendo algumas dessas prisões dentro do estádio no meio dos jogos como forma de aumentar a divulgação do que estava acontecendo. Lazio e Milan foram rebaixados de divisão como forma de punição por terem profissionais envolvidos no esquema. O jogador mais famoso que estava no meio de tudo isso foi o inimigo do povo brasileiro Paolo Rossi, que antes de eliminar o Brasil na Copa de 1982, tomou uma suspensão de 2 anos sem poder ter nenhum tipo de contato com futebol, nem sequer treinar. Existem relatos que na temporada anterior (1978/79) esse esquema já estava em funcionamento, mas nada nunca foi provado.

Capa de um dos principais jornais esportivos da Itália (“a gazeta do esporte”) sobre o Tontonero

Contudo o Totonero não foi o último caso de apostas esportivas prejudicando a competitividade do futebol italiano, porque 31 anos depois em 2011 ocorreu o Calcioscommesse. Diferentemente do que aconteceu em 1980, desta vez os jogadores e treinadores envolvidos no esquema estavam associados a Máfia italiana que, como maneira de lavar grandes quantias de dinheiro, apostava valores exorbitantes na derrota das equipes desses jogadores e treinadores. No começo não foi muito repercutido pela mídia porque se tratava de times da 2° e 3° Divisão, mas com o passar do tempo foram aparecendo casos envolvendo atletas mais famosos, como o atacante Signori que foi preso junto com mais 15 pessoas em junho de 2011. Sobrou até pra Seleção Italiana, que deixou de convocar diversos jogadores para a Eurocopa de 2012, por terem ligação com o esquema. Até hoje se suspeita que a Máfia italiana segue ganhando dinheiro de maneira injusta com apostas esportivas.

Nem a Premier League, maior liga de futebol do mundo, conseguiu se ver livre de esquemas envolvendo apostas esportivas. Entre 2017 e 2021, o jogador Ivan Toney, atuando por Brentford, Wigan e Peterborough, foi acusado de 262 violações com apostas, que fizeram com que ele perdesse a chance de ser convocado para a Copa do Mundo de 2022. Além disso, em maio de 2023 saiu a notícia de que o jogador terá que ficar 8 meses longe do futebol, assim como Paolo Rossi há 40 anos atrás.

Ivan Toney, jogador da Premier League que foi afastado devido a apostas esportivas

A confederação inglesa de futebol, visando não ter reincidência de casos como esse e que se tenha um menor número de escândalos, tomou medidas mais severas que a italiana. Recentemente, foi definido que clubes da Premier League, se patrocinados por casas de apostas, não podem mostrar a logo dessas empresas na parte frontal da camisa, só nas mangas.

Quando ocorrem casos como esses citados, e como acontecem constantemente no Brasil, normalmente se acredita que quem mais se prejudica é a liga de futebol desses países, afinal as pessoas passam a interpretar tais campeonatos como inválidos, sujos e mal organizados, porém a realidade é que quem perde mais com esses esquemas são as próprias casas de apostas. Além das consequências mais óbvias como proibição dessas empresas nesses países, o público consumidor passa a ter uma má imagem dessas casas, visto que sabendo que existe manipulação de resultados, eles não vão querer apostar em algo de certa maneira “injusto”. As equipes também deixam de querer patrocínios com esse tipo de negócio, e a própria liga de futebol pode proibir que essa relação ocorra (como aconteceu na Premier League). Ou seja, os menos interessados em esquemas de apostas esportivas são as próprias casas que estimulam esses jogos de azar.

Por esses motivos, hoje em dia diversas casas de apostas buscam investir na integridade do esporte e no combate ao match-fixing. Sendo essas as únicas maneiras de prevenir que casos como o Totonero e do Calcioscommesse ocorram de novo.

Prevenção de escândalos no Brasil

Prevenir os escândalos com apostas esportivas é essencial para garantir a integridade do esporte e proteger jogadores, clubes e torcedores de qualquer atividade ilegal ou prejudicial ao esporte. Por isso, os órgãos responsáveis pela regulação das apostas esportivas no Brasil estão trabalhando para identificar e punir casos de escândalos envolvendo apostas esportivas, além de prevenir casos ilegais no futuro.

As manipulações no Brasil são identificadas principalmente através do monitoramento de apostas realizadas em plataformas ilegais. As autoridades responsáveis pela regulação das apostas esportivas no país trabalham em conjunto com as autoridades policiais para monitorar de perto as atividades suspeitas. Elas também contam com a ajuda de denúncias da comunidade do esporte, como jogadores, dirigentes e torcedores, que podem relatar comportamentos e atividades suspeitas. Com a colaboração de diferentes entidades, os órgãos responsáveis conseguem identificar os casos de escândalo e agir rapidamente para evitar danos maiores.

A punição para esses casos de manipulação no Brasil variam de acordo com a gravidade do caso. Geralmente, envolve multas, suspensões e até mesmo prisões em casos mais graves, podendo ocorrer o banimento de estádios e do esporte para atletas. De acordo com o artigo 41-C do Estatuto do Torcedor, é passível de pena de reclusão de 2–6 anos e multa “solicitar ou aceitar, para si ou para outrem, vantagem ou promessa de vantagem patrimonial ou não patrimonial para qualquer ato ou omissão destinado a alterar ou falsear o resultado de competição esportiva ou evento a ela associado”. Já no Código Brasileiro de Justiça Desportiva, de acordo com o artigo 242, é passível de eliminação do esporte e pena de R$100-R$100mil, “dar ou prometer vantagem indevida a membro de entidade desportiva para influenciar o resultado de partida”.

Os responsáveis pela regulação das apostas esportivas no Brasil têm trabalhado para criar regulamentações mais rígidas e eficazes para as apostas esportivas no país, o que pode ajudar a evitar casos futuros. Atualmente, têm se concentrado em criar regulamentações mais rígidas e eficazes para o setor, incluindo a criação de uma autoridade reguladora específica para o setor. Além disso, as autoridades estão trabalhando em campanhas de conscientização para alertar o público sobre as consequências ilegais das apostas esportivas. A implementação de medidas de prevenção, como a proibição de jogadores e dirigentes de clubes de fazerem apostas, também pode ser útil para evitar casos futuros de manipulação de resultados.

Regulamentação de apostas esportivas no Brasil

Para ser possível investigar, punir e prevenir as manipulações envolvendo apostas esportivas no Brasil é fundamental a existência de uma boa legislação e regulamentação. Atualmente, as casas de apostas são legalizadas por uma lei de 2018, entretanto não há regulamentação, o que dificulta a fiscalização e dá espaço para escândalos ocorrerem.

Felizmente, a regulação vem sendo pautada no debate nacional, principalmente após a deflagração da “Operação Penalidade Máxima”, que evidenciou a fragilidade do enfrentamento às manipulações no Brasil. Segundo o governo federal, o projeto de regulamentação já está pronto e deve entrar em tramitação no congresso nacional em breve. Dentre os aspectos contidos no projeto de lei destacam-se:

  • Impedir sites que não recolham impostos e não possuam sede no Brasil de fazer publicidade.
  • Cadastro dos meios de pagamento junto ao Banco Central
  • Derrubada de sites clandestinos que não sigam os requisitos acima.

Além disso, o governo pretende cobrar impostos de 15% sobre o lucro das casas de apostas e de 30% sobre o lucro de apostadores que ultrapassarem a primeira faixa livre do imposto de renda (R$ 1.903,98). Apesar de impopular dentre alguns apostadores e casas de apostas, a tributação se faz necessária para viabilizar o financiamento de agências reguladoras e investigadoras no Brasil.

Essas medidas devem facilitar o trabalho dos órgãos investigativos em investigar, punir e prevenir escândalos com casa de apostas, garantindo assim a integridade dos campeonatos esportivos e a reputação das casas de apostas como ambientes seguros para a prática de jogos de azar.

Referências

envolvidos Penalidade Máxima

Operação Penalidade Máxima (i)

Operação Penalidade Máxima (ii)

taxação de apostas

casas de apostas e manipulações

tontonero

calcioscommesse

ivan toney

patrocínios premier league

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A FEA Sports Business é uma entidade universitária da FEA USP, que tem como objetivo fazer parte da mudança e da profissionalização da gestão esportiva no país.

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