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FEA Sports Business
7 min readOct 11, 2020

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AS RAZÕES PARA TIMES BRASILEIROS OPTAREM POR MARCAS PRÓPRIAS NA PRODUÇÃO DE SEUS UNIFORMES.

Por: Eduardo Silveira, Lucas Muniz e Lucas Tury

RAZÕES PARA A MUDANÇA

Enquanto gigantes do futebol nacional e mundial fecham contratos milionários com marcas globais, uma tendência que se observa entre os clubes médios e pequenos tem sido a aposta em uma marca própria para o fornecimento de material esportivo.

O primeiro clube a trazer essa alternativa para o Brasil foi o Paysandu que, observando o sucesso de clubes europeus, como o Atletic de Bilbao, decidiu criar sua marca própria para obter maior rentabilidade. Desde então, muitos clubes brasileiros adotam essa estratégia, sobretudo no futebol nordestino. Atualmente, na série A do Campeonato Brasileiro, cinco times possuem uniformes de marca própria: Fortaleza, Bahia, Ceará, Atlético-GO, Coritiba e Goiás.

Como dito anteriormente, o principal motivo para a troca é o fator financeiro. Os times médio e pequeno, ao assinar com empresas gigantes do ramo, só obtém em troca o fornecimento do material para jogadores e Royalties por vendas dos uniformes, que costumam gerar pouco retorno para os clubes.

De início, torcedores tendem a rejeitar a ideia e preferir as marcas tradicionais. Contudo, a possibilidade de participar da escolha dos uniformes, a grande ganho financeiro dos clubes, e a surpreendente qualidade do material leva as pessoas a abraçar a ideia. Mesmo perdendo a grande exposição que as marcas globais tendem a oferecer, os clubes que adotaram essa estratégias passaram a assistir recordes de vendas de camisas.

O Paysandu foi pioneiro no Brasil nessa mudança de uniformes.

O QUANTO OS CLUBES LUCRAM POR VENDER A PRÓPRIA CAMISA

Quando vemos os clubes que optam por comercializar produtos de marca própria vemos uma tendência: eles não apresentam contratos de altos valores com as principais marcas, como Flamengo, que recebe um pouco menos de 18 milhões por ano da Adidas, e Corinthians que tem contrato até 2029 com a Nike e recebe em torno de 20 milhões por ano.

Times como Paysandu (que foi o pioneiro nesse estilo de marca própria com a Lobo), América Mineiro (Sparta) e Santa Cruz (Cobra Coral) muitas vezes só recebiam o enxoval para o ano e uma pequena porcentagem de royalties e não luvas pela assinatura do contrato. Foi reportado que os dois últimos anos da Adidas no Coritiba (2016–17) rendeu ao clube apenas R$ 200 mil, enquanto apenas em 2018 o clube faturou R$ 480 mil e em 2019 — com o acesso do clube a Série A — faturou mais de R$ 1 milhão. Não é divulgado o quanto os clubes têm de custo com a operação da marca própria mais os custos da fabricação das peças em si, mas em 2016 um dirigente do Paysandu mencionou a possibilidade do clube auferir 45% de lucro das vendas de camisas.

Foto: Loja Esquadrão.

IMPACTO NA PIRATARIA

Em 2019 o Fortaleza (da marca própria Leão 2018) iniciou uma campanha na qual venderia uma camisa popular — pelo preço de R$ 59,90 — no entorno do estádio para combater a pirataria, quem levasse uma camisa “pirata” teria desconto de 10 reais. Em fevereiro de 2020 foi exibido no Castelão um bandeirão composto das 814 camisas piratas que recolheu nos quatro meses de campanha.

Vale lembrar que a Umbro também fez campanha parecida com o uniforme do Peru em 2016, quando ofereceu 50% de desconto no uniforme oficial se levassem uma camisa pirata na loja.

Quando ainda planejava a execução do projeto de material esportivo próprio Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, comentou que pensava no efeito sobre a pirataria e que criariam dois modelos populares para serem vendidos ao lado das camisas oficiais. Hoje a Esquadrão (marca de material esportivo do Bahia) vende os modelos oficiais por preços mais acessíveis que a moda na Série A, de 209,99 a 239,90 — e ainda disponibiliza modelos populares a R$ 99,00 (incluindo o modelo com o logo do SUS que teve os royalties doados).

Campanha da Umbro com a seleção peruana contra a pirataria de camisas de futebol.

O QUE MUDA PARA O TORCEDOR

As diretorias de clubes de futebol sempre estão atentas à reação da torcida após a realização de uma grande mudança, portanto com a opção de produzir os próprios uniformes não seria diferente. Após as diretorias de alguns times realizarem essa mudança e ser um sucesso, outras equipes aderiram à ideia, pois, além de todas as vantagens existentes no setor financeiro, as torcidas também demonstraram preferência por essa estratégia. O torcedor vê mais facilidade em se identificar com os uniformes quando são produzidos por uma marca de material esportivo que funciona exclusivamente para o seu clube, e muitas vezes tem seu nome relacionado ao clube, o que aumenta ainda mais a identificação. Guilherme Bellintani, presidente do Bahia, afirma que o torcedor compra com mais carinho quando sabe que grande parte do seu dinheiro vai diretamente ao clube. Já o presidente do Coritiba afirmou que com esse novo modelo de produção se tornou muito mais fácil de atender a muitas demandas da torcida, que vão desde detalhes estéticos no modelo do uniforme até linhas femininas e infantis, que antes não existiam.

Um dos principais motivos para a adesão das torcidas a esse novo modo de produção de uniformes foi a redução significativa nos preços e um maior número de camisas comemorativas lançadas. Uma camisa do Coritiba que antes custava R$ 249 agora sai por R$ 229, com os sócios pagando mais barato ainda; com o Goiás a redução no preço foi maior ainda, pois de R$ 249 passou a ser adquirida por R$ 199. Mas o Bahia apresentou ainda preços mais baratos, pois além de reduzir o preço para R$ 219 para os torcedores comuns e R$ 199 para os sócios, lançou em 2019 uma linha popular, custando apenas R$ 99. O Fortaleza que impressionou a todos com a campanha antipirataria vendendo camisas a preço de custo no estádio, por R$ 59,90. Quando se trata de uniformes especiais para uma causa ou comemoração também é muito mais fácil de fazer quando se tem uma marca própria. Para explicar isso Lênin Franco, gerente do Bahia, diz “Com a marca própria, você tem mais flexibilidade, porque a decisão passa apenas pelo clube. Com as grandes marcas, seria preciso passar por aprovação e, às vezes, em instâncias fora do Brasil. Há padrões internacionais que precisam ser seguidos e você não consegue fazer. Com a marca própria, a gente faz do jeito que bem entender” quando falava sobre a camisa de protesto contra as manchas de óleo que atingiram as praias do nordeste. Matheus Antunes, diretor de negócios do Juventude, afirma que com a marca própria conseguem fazer camisas comemorativas em três semanas, usando como exemplo o uniforme lançado em homenagem ao Outubro Rosa. O Paysandu também lançou camisas comemorativas batizadas de Fiel e Gigante, num evento que reuniu torcedores símbolos, feirantes e ídolos em um dos principais cartões postais da cidade.

A maior possibilidade de interatividade por parte da torcida também é um dos atrativos em poder produzir o próprio uniforme. A maior parte dos clubes que produzem o próprio uniforme arranjaram uma forma de trazer o torcedor mais pra perto e a estratégia mais utilizada foi a de realizar votação popular para escolher o uniforme. Vila Nova, Ceará e Paysandu realizaram concursos nos quais os possíveis modelos para o terceiro uniforme eram desenhados e escolhidos pela torcida. O presidente do Ceará, Robinson de Castro, garantiu que o concurso se repetirá nas próximas temporadas devido ao sucesso e ainda brincou “Ficou sensacional. Só poderia ter sido feito por alguém da torcida do Ceará” ao comentar sobre em uma live do clube. O Náutico lançou um concurso semelhante, mas para definir o uniforme número um, que também acabou sendo um sucesso acima do esperado entre os torcedores. Segundo o dirigente do clube, ao todo foram 1.045 e-mails enviados, alguns com mais de uma sugestão para a campanha “O manto é seu”. O Criciúma e o Bahia deram ainda mais responsabilidade na mão de seus torcedores. O time catarinense disponibilizou uma votação online com quatro pares de uniformes para a torcida eleger o primeiro e segundo uniforme da temporada enquanto o time baiano abre toda temporada um concurso com algumas etapas. Primeiro os interessados desenham os uniformes e mandam a proposta para o clube. Após esse processo, ocorre uma pré-seleção interna para depois enfim ser realizada uma votação popular na internet com as melhores opções, e o torcedor escolhe qual será o uniforme um, dois e três da temporada.

O América Mineiro, que também possui marca de material esportivo própria, interagiu com sua torcida no lançamento de seu uniforme de forma diferente. O clube lançou a plataforma #SomosSparta, que contou com a força do engajamento torcida para revelar as novas camisas do time. Os torcedores tiveram sete missões para cumprir ao longo do mês de agosto. A cada meta alcançada, um pequeno pedaço do uniforme foi revelado publicamente. O Fortaleza também arranjou uma forma alternativa de interagir com os torcedores, e foi com a campanha do time para frear a pirataria. Caso os torcedores entregassem uma camisa pirata que haviam comprado, teriam um bom desconto nas camisas oficiais; o material pirata recolhido foi usado para confeccionar um bandeirão.

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