Fisiculturismo feminino: estética X musculosidade

Breve história do esporte, controvérsias e uma ilustre entrevistada

FEA Sports Business
6 min readApr 19, 2022

Por Luiz Schalka, Danilo Lara e Marcelly Castro

Em 1985 foi lançado o documentário Pumping Iron II: The Women (traduzido livremente, Levantando ferro II: as mulheres), sequência do documentário sobre fisiculturismo que em sua primeira edição deu grande fama a Arnold Schwarzenegger e Lou Ferrigno. O enredo do segundo filme mostra a rivalidade entre Rachel McLish (abaixo à direita) e Bev Francis (esquerda) pelo título de uma copa disputada em Las Vegas. Rachel, atual campeã, vinha para a disputa com seu físico considerado “estético”. Bev, que antes do fisiculturismo era halterofilista, portava um físico mais musculoso. E dessa rivalidade nasceu o dilema do fisiculturismo feminino: estética X muscularidade.

Dentro da noção de fisiculturismo, encaixam-se diferentes ideias, formas e estilos de vida. De forma unânime, é o esporte cujo instrumento é o próprio corpo, portanto, se tornando um esporte muito sensível ao ego de uma pessoa. Portanto, em maior ou menor medida, muitas pessoas são de certa forma fisiculturistas. Porém, o estabelecimento de critérios é fundamental para o âmbito profissional do esporte. Nesse sentido, o fisiculturismo feminino dispõe de 4 categorias de destaque:

  1. Bikini Fitness — engloba físicos com cintura pequena, troncos em forma de ampulheta, pernas longas e curvas. Músculos “rasgados”, ou seja, muito aparentes, não se encaixam nessa definição.
  2. Women’s Wellness: privilegia coxas e glúteos maiores, valorizando um menor percentual de gordura, o que possibilita maior definição muscular.
  3. Women’s Body Fitness: há maior avaliação dos grupos musculares pelos jurados. A atleta da categoria costuma exibir ombros mais largos, braços maiores e volume muscular de mais destaque.
  4. Women’s Physique: As fisiculturistas que competem nessa categoria levam definição e volume muscular ao máximo, respeitando anatomia, volume e “silhueta feminina”.
Categoria Bikini — Fonte: IFBBMG
Categoria Women’s Physique — Fonte: IFBB Pro League

Dentre as principais competições femininas, do Brasil e do mundo, temos:

  1. Campeonato Brasileiro de Fisiculturismo e Fitness (CBMFF / IFBB Brasil);
  2. Campeonato Mundial de Fisiculturismo e Fitness (IFBB);
  3. Ms. Olympia, parte do famoso Mr. Olympia, dedicada às mulheres.

Como destaques do passado e presente desse esporte, podemos citar:

  1. Iris Kyle: é considerada, talvez, a maior fisiculturista profissional de todos os tempos;
  2. Lenda Murray: 8 vezes campeã do Ms. Olympia;
  3. Andrea Shaw: atual bicampeã do Ms. Olympia.

É necessário ressaltar que o fisiculturismo é inclusivo. Pode ser considerado um dos esportes com maior número de atletas “amadores”, pois qualquer um com um físico trabalhado pode competir e, desses, existem muitos. Além das diversas categorias, cada categoria é subdividida por idade e sexo. Existem categorias para crianças, adultos na melhor idade (ou melhor dizendo, terceira idade) e atletas em cadeira de rodas (que inclusive competem no Olympia). Porém, para subir de nível no esporte é caro, e para se tornar um profissional, é preciso encontrar um patrocinador ou empregar consideráveis recursos próprios.

Para conseguirmos informações precisas e preciosas para complementar nossa pesquisa sobre o esporte, consultamos Diana Monteiro, bicampeã mundial de fisiculturismo na categoria fitness coreográfico, presidente da Confederação Brasileira de Musculação, Fisiculturismo e Fitness (CBMFF / IFBB Brasil) e da Federação Paulista de Musculação, Fisiculturismo e Fitness (FEPAMFF / IFBB SP), árbitra internacional e mestre em educação física pela USP Ribeirão Preto.

No fisiculturismo, como em muitos esportes, existe uma tendência de melhora ao longo dos anos na performance esportiva geral dos atletas. Uma maneira interessante de mostrar isso é comparando os físicos de duas lendas masculinas de épocas diferentes: Arnold Schwarzenegger (esquerda) e Ronnie Coleman (direita).

Fonte: Boston Globe

A diferença entre os dois pode ser mensurada numericamente também. No auge das carreiras, o bíceps do austríaco tinha cerca de 56 centímetros, enquanto o americano foi reportado em ter 68 centímetros. Isso é uma diferença gritante. Reitera-se que em épocas diferentes, os critérios de vitória no esporte são distintos, e ter o maior braço não significa necessariamente ser o maior da história.

A peculiaridade do fisiculturismo feminino (principalmente nas categorias mais musculares) é que a palavra “evolução”, no esporte em questão, para muitos é errada. Esse notável ganho de massa muscular nas atletas (vide imagem abaixo, comparando o físico de Rachel McLish, primeira Ms. Olympia, e Iris Kyle, decacampeã do Ms. Olympia e pela última vez em 2014) nem sempre foi bem-vista, inclusive sendo desincentivado por federações competitivas, as quais preferiam físicos “estéticos e femininos”.

A primeira grande ofensiva contra os físicos com excessiva muscularidade ocorreu em 1992. Portados da justificativa de diminuir os efeitos “masculinizantes” do uso de esteróides para obter físicos muito musculosos, a IFBB promoveu uma série de regras de “feminilidade”. Isso incluía instruções de não premiar físicos excessivamente volumosos. Em 1999, a tetracampeã Kim Chizevsky-Nicholls se aposentou do esporte por discordar das diretrizes “anti-masculinizantes” das federações. No ano de 2004 houve uma diretriz da IFBB com mensagem muito clara às atletas do futuro: “diminuam em 20% o nível de muscularidade”. E, enquanto estavam sendo feitas essas mudanças, foram surgindo categorias novas do esporte, as quais focavam mais em simetria, harmonia, proporção e um físico menos agressivo.

Mas o maior obstáculo já enfrentado pelas musculosas mulheres foi o cancelamento do Ms. Olympia em 2015. O Mr. Olympia era presidido por Joe Weider (a quem o torneio tem o nome “Joe Weider ‘s Olympia’’) até seu falecimento em 2013. A nova diretoria, desencantada com o potencial da categoria open, decidiu extingui-la. As atletas foram acatadas pela Wings of Strength Rising Phoenix World Championships, onde competiram de 2015 até 2019. Em 2020, Jake Wood, dono da Rising Phoenix, adquiriu os direitos do Olympia e reintroduziu a categoria Open na competição, sinalizando um possível retorno de interesse à categoria.

Mas qual o verdadeiro motivo de todos esses “ataques” às, literalmente, grandes atletas de fisiculturismo? Provavelmente, o motivo comercial. As competições nada mais são que, como a grande maioria dos esportes profissionais, produtos de entretenimento para gerar lucros aos organizadores. Os eventos femininos estavam tendo resultados insatisfatórios de audiência e venda de ingressos, e, numa decisão administrativa, optaram por desviar a categoria feminina que de certo modo, era menos aceita pelo público em geral. Reitera-se que existe um crescimento do esporte em geral, inclusive no Brasil, mas está focado em outras categorias femininas.

A popularização do fisiculturismo, bem como os incentivos à sua prática, anda de mãos dadas com a influência das redes sociais, como o Instagram. Na rede, imagens têm o papel central, e os corpos são parte importante disso. Nesse sentido, a vasta gama de influenciadores digitais abrange maciçamente o mercado fitness, que aproxima as pessoas do esporte à medida que crescem as preocupações estéticas. Porém, definitivamente existe uma separação entre a prática do culturismo, e uma busca por padrões de beleza promovidos na internet.

Dito isso, a relação entre os influenciadores e o crescimento do esporte acontece na medida em que esses divulgam grandes eventos do ramo, assim como marcas que fomentam essas competições, como por exemplo, da nutrição esportiva. Além disso, as competições de fisiculturismo muitas vezes servem como autopromoção para profissionais da área da saúde e educação física, que usam o próprio corpo nos palcos como forma de credibilizar seus serviços.

Portanto, apesar da linha que divide o estilo de vida fitness e a prática profissional do fisiculturismo, ambos são engrenagens que se complementam. O primeiro, muito popular nas mídias sociais, contribui cada vez mais para o crescimento e a aceitação do segundo. E o profissional oferece uma plataforma para os influenciadores que desejam competir e ganhar mais notoriedade.

O que o futuro reserva para o fisiculturismo? E para as fisiculturistas mais musculosas? E para o estilo de vida fitness nas redes sociais? É uma incógnita, com toda certeza, e a previsão do futuro é uma arte de incerteza. Mas deve-se notar que o mundo hoje caminha para uma maior aceitação de corpos não-padrão (sendo isso uma boa notícia para as musculosas atletas) assim como uma maior adoção de um estilo de vida ativo. E, como dito antes, o fisiculturismo e as redes sociais, quando feitas com intenções não maliciosas, são engrenagens que trabalham juntas, podendo gerar resultados interessantes e promover muito o esporte. Definitivamente vale a pena acompanhar o futuro do fisiculturismo.

Para acompanhar o esporte

Instagram:

IFBB Brasil

Diana Monteiro

Olympia

Referências

História do fisiculturismo

Novo dono do Olympia

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