Grêmio: aflito ou imortal financeiramente?
Existe razão financeira da queda do Tricolor Gaúcho?
Por Luigi Dal Medico, André Ramicelli, Danilo Lara, Daniel Motta, Luiz Schalka
Detentor de 3 Libertadores, 5 Copas do Brasil e 2 Brasileiros, o Grêmio Football Porto Alegrense é com certeza absoluta um dos grandes clubes do futebol brasileiro e sul-americano. E como grande parte dos clubes dessa prateleira em nosso continente, vive em constantes altos e baixos. Desde sua fundação, a seu estabelecimento como um dos grandes clubes do país até a conquista do mundial e mais recentemente o rebaixamento, o clube repetiu por algumas vezes ciclos de glórias e vexames.
Trazendo para um passado um pouco mais recente, podemos citar alguns períodos bem importantes para a história do Grêmio. Na década de 1980, o Clube viveu o que podemos chamar de anos de ouro, conquistando diversos títulos, regionais, nacionais e internacionais, chegando a conquistar um mundial de clubes 1983 sobre o Hamburgo da Alemanha com a presença de ninguém mais, ninguém menos que ele, Renato Portaluppi.
Como supracitado, temos um roteiro muito bem definido. Em 1991 o Grêmio amarga sua primeira queda para a segunda divisão, que é rapidamente superada com a ajuda de outra figura emblemática na história do clube, Luis Felipe Scolari, que leva o time da Série B para a sua segunda conquista da Libertadores em 1995. Dessa vez, o período de glórias dura até os anos 2000, quando uma parceria que indicava um futuro dominante aos gaúchos levou tudo por água abaixo.
Na virada do milênio a diretoria do clube gaúcho fechou uma parceria com uma empresa de marketing suíça chamada ISL. Assegurados pelo investimento estrangeiro, o clube foi ao mercado fazendo grandes contratações. Todavia, o que parecia um sonho, virou um pesadelo. A ISL declarou falência e os gaúchos tiveram que arcar com toda a situação sozinhos, o que trouxe anos de sofrimento.
Afundado em dívidas, o imortal montou equipes fracas, sendo rebaixado pela segunda vez em 2004. No ano seguinte, ocorreu o episódio que ficou conhecido como batalha dos aflitos marcando a volta do clube à série A, desde então o clube fez boas campanhas, todavia carecia de títulos de expressão.
Reorganizado financeiramente e com um novo estádio, o clube volta a investir, colecionando boas campanhas no brasileiro entre 2013 e 2015, mas seria em 2016 que o clube voltaria a glória máxima e conquistaria o apelido de Rei de Copas. Nesse ano, Renato Portaluppi retornou ao clube como técnico e com jogadores como Luan, Arthur, Marcelo Grohe e Éverton Cebolinha, o imortal sagra-se campeão da Copa do Brasil, e no ano seguinte da Libertadores.
Entretanto, mais uma vez o bom e velho roteiro, com a venda dos principais jogadores e o advento de uma pandemia, em 2021, o clube mais uma vez foi rebaixado e hoje amargura uma campanha razoável (para a sua grandeza) na série B.
A dívida
Como em praticamente todos os casos do futebol brasileiro, a situação financeira de um clube se inicia pela análise da dívida que o clube possui com instituições financeiras. Assim sendo, conforme observamos abaixo, o clube gaúcho não se encontra em uma grande crise financeira. Nos últimos anos a dívida foi controlada, e o clube apesar de rebaixado não deixou com que o desespero desbalanceasse a conta.
Como será analisado posteriormente, hoje o clube possui um grau de liquidez muito bom perto dos demais clubes do país, o que permite ao imortal maior capacidade de negociação e menor incidência de juros. Desse modo, observando o gráfico é possível perceber como o mesmo é bem menos dependente de empréstimos do que anteriormente, fruto de um bom controle de gastos e de boas negociações com seus credores (BMG e Banrisul), podendo oferecer inclusive receitas futuras, como cotas televisivas, como garantia de pagamento.
Inclusive, apesar da pandemia, o clube se saiu muito bem financeiramente. Observando o gráfico apresentado, entre os anos de 2020 e 2021, a conta de empréstimos não teve um aumento expressivo, denotando que o clube não precisou recorrer aos bancos parceiros para pagamento de suas obrigações (Devemos considerar que boa parte dessas obrigações tiveram seus pagamentos negociados por conta da pandemia). Ainda sobre empréstimos, vale a pena ressaltar e destacar como os mesmos foram sendo pagos.
Para observar esse pagamento, podemos recortar da DFC a seguinte conta: DFC — Atividades de financiamento, na qual podemos observar o quanto saiu ou foi incorporado ao caixa pelas atividades de financiamento, no caso de clubes de futebol, principalmente tratamos de empréstimos e juros.
Desde 2016 o clube vinha fazendo o controle citado, com resultados esportivos notórios o clube não se empolgou. Aproveitando assim, o período de sucesso em campo para “apertar o cinto” ,as premiações e receitas de vendas de atletas foram usadas principalmente para o pagamento de empréstimos. Ainda assim, acredito que por unanimidade, o arrocho empregado pelo clube, com investimentos pontuais na equipe profissional e reposições que agregaram menos em campo em relação a quem estava saindo, estava longe de ter por consequência uma queda para a segunda divisão, e podemos indicar que o controle de gastos foi mais benéfico que maléfico para o Rei de copas, que já ensaia sua volta à elite do campeonato brasileiro.
Receitas e gastos: de onde vem e sai o dinheiro
Tomando 2017, ano do título da Libertadores do tricolor gaúcho, como ponto de partida para a análise dos gastos e das receitas, tínhamos um cenário de elevado endividamento do clube. Nota-se que não havia recursos suficientes para arcar com as obrigações de curto prazo, o que obrigaria a instituição a pegar muitos empréstimos com bancos. A situação, a partir da conquista da América pelo Grêmio, nesse sentido, pode-se entender como uma bem-sucedida mistura entre crias da base e medalhões que resultou na reorganização financeira do clube.
O ano de 2018 foi positivo para as contas do clube gaúcho, conforme observado nas contas de endividamento o planejamento de Romildo seguia com estabilidade. [É importante ressaltar que o tricolor gaúcho teve os balanços de 2017 e 2018 reapresentados devido a mudanças nas normas contábeis quanto às luvas contratuais.]
Já em 2019, a mudança mais expressiva registrada no balanço patrimonial gremista foi devido ao aumento de seus ativos a partir de contas a receber. Isso se deu em razão das expressivas vendas de Arthur (31 milhões de euros), Tetê (15 milhões de euros) e Jaílson (4,9 milhões de euros). Operações que afetam uma das contas mais importantes do balanço patrimonial de um clube de futebol, o ativo intangível.
Os componentes da conta em questão, para um clube de futebol, envolvem principalmente os direitos que estes detêm sobre seus atletas. Com o Grêmio, não é diferente: a grande maioria desses valores tem essa origem, e é calculada pelo custo de aquisição/formação, subtraído da amortização conforme os prazos dos contratos.
A evolução nessas contas indica um aumento do valor agregado dos atletas do Imortal. Durante os anos analisados acima, em que o clube esteve na primeira divisão do Campeonato Brasileiro, conseguiu manter a crescente do valor de seu elenco de 2017 até o último ano. Mesmo com vendas de talentos como Arthur, Éverton e Pepê, o desenvolvimento de atletas no clube foi fundamental para manter os números elevados.
Diante do atual cenário de disputa da série B do Brasileirão, o Grêmio se viu na necessidade de se desfazer de alguns jogadores, tendo em vista que a diminuição de receitas como TV e competições torna imprescindível esse corte de custos para manter a estabilidade. Nesse sentido, no balanço do 2º semestre de 2022, houve redução de aproximadamente 22 milhões em direitos de atletas da base e do profissional.
Posto isso, sabendo das mutações do ativo intangível gremista, é necessário analisar outra conta importante, a das receitas do clube. Conta, cujo valor é afetado diretamente pelas mutações do ativo intangível, uma vez que o futebol é a principal fonte de receita de um clube, e entre essas receitas a venda de jogadores é uma das mais lucrativas.
Podemos perceber, pelos resultados apresentados pelo Grêmio, que as estratégias de viabilidade financeira, bem como de gestão através de uma governança sólida, são devidamente seguidas. Dessa forma, é difícil imputar a atual crise do clube dentro das 4 linhas à questões financeiras. Por outro lado, esse fato permite imaginar melhores cenários no futuro ao clube gaúcho, que difere de um padrão de outros clubes que sofrem o descenso por estarem “quebrados”.
Em todos os anos analisados, o Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense apresentou resultados superavitários. Ou seja, obteve mais receitas do que despesas, mesmo enfrentando uma crise global e tendo um ano de rebaixamento, por muitos considerado surpreendente. Muito disso se deve às boas práticas de valorização de seus atletas, o que pode ser visto na tabela a seguir:
Após um panorama sobre os superávits registrados pelo Imortal em termos gerais e de transferências, é importante observar os impactos de cada exercício no fluxo de caixa.
Nota-se que o comportamento visto na DRE não necessariamente é convertido em caixa, sendo que, por exemplo, o exercício de 2018 foi o mais superavitário, e, ao mesmo tempo, aquele em que houve perda de caixa. Isso se deve,entre outros fatores, aos pagamentos parcelados por jogadores, bem como a aplicação do caixa para quitação de dívidas.
Assim sendo, compreendendo as receitas e seu impacto no caixa podemos partir para outro ponto importante da análise do clube, os indicadores de liquidez, fundamentais para entender se o clube é capaz de arcar com suas obrigações financeiras. Para essa análise utilizaremos dois parâmetros, o de liquidez geral e corrente. Sendo o primeiro, como diz o próprio nome, um índice geral, que avalia todo o balanço patrimonial e o segundo um focado nas obrigações a curto prazo, ou seja, do ano do exercício.
Indicadores de liquidez
Liquidez geral: em 2016, a conquista da Copa do Brasil justificou o crescimento de 100% do índice com relação a 2015. Nos anos seguintes, por sua vez, foram segurados pelo tricampeonato da Libertadores da América ajudando a manutenção (e até leve melhora) do mesmo, que após certa queda em 2018, voltou a subir, indicando que mesmo durante a pandemia o clube não se afundou em dívidas e empréstimos que não fosse capaz de arcar.
Dessa forma, é possível dizer que o clube possui uma capacidade regular de pagamento no curto e no longo prazo.
Liquidez corrente: Com o controle de gastos e as receitas de bons resultados esportivos o Grêmio chegou a um índice de liquidez geral em 2019 de 0,6, um valor muito positivo pensando na realidade de grande parte dos clubes brasileiros. Todavia, com o advento da pandemia, a curto prazo, o clube, foi perdendo a liquidez conquistada, situação completamente normal para o cenário mundial. Ainda assim, os valores apresentados são muito bons, denotando uma boa gestão dos ativos e passivos da equipe.
Paralelo Investimento x Resultado
Após conseguir o seu maior título no século com a Copa Libertadores em 2017, ano em que teve o seu menor investimento dentro do período analisado, o Grêmio passou a investir mais em contratações. Utilizando o dinheiro gerado pelas grandes vendas de jovens fundamentais para o sucesso da equipe em campo, como Arthur e, posteriormente, Everton Cebolinha, o clube passou a implementar uma política de contratações que buscava por nomes já consagrados e mais velhos, priorizando o resultado imediato.
O efeito desta política, implementada principalmente pelo treinador do clube, Renato Portaluppi, que usufruía de grande poder no que diz respeito às decisões do clube durante a sua passagem, e pelo seu presidente, Romildo Bolzan, acabou sendo o envelhecimento do elenco e uma queda de rendimento. Apesar de ter vencido todos os Campeonatos Gaúchos desde 2018 até o presente, além da Recopa Sul-Americana de 2018, o clube não venceu mais títulos relevantes nacional e internacionalmente, e viu seu desempenho nas competições decair gradualmente ano após ano.
No início da temporada de 2021, Renato Portaluppi, um dos grandes responsáveis pela montagem do elenco no período, deixou o comando técnico do clube, ocupado por ele durante aproximadamente 5 anos, após eliminação nas fases preliminares da Libertadores. O plantel montado a partir da política de contratações implementada por Renato e Romildo, acabou sendo herdado por outros treinadores e a queda de rendimento, que já durava algumas temporadas, culminou no terceiro rebaixamento da história do clube para a Série B do Campeonato Brasileiro em 2021, justamente o ano no qual o clube tinha seu valor mais alto de ativos intangíveis no período analisado.
Dessa maneira, é possível concluir que os resultados da equipe acabaram por ter uma relação inversa com os investimentos feitos pelo clube, que cresceram ano após ano, mas foram utilizados através de um método de montagem de elenco que acabou por ter um efeito negativo no rendimento da equipe à longo prazo. Processo este que fez com que os resultados não fizessem jus ao aumento do investimento, que pode ser percebido pelo crescimento contínuo dos ativos intangíveis até a queda do clube para a Série B.
Perspectivas Futuras
As perspectivas sobre o futuro do Grêmio diferem do padrão da maioria dos clubes considerados gigantes do futebol brasileiro que caem para a Série B do campeonato nacional, pois ao contrário destes, o descenso do tricolor não está diretamente atrelado a uma má gestão financeira, já que nesse aspecto, o clube pode ser considerado responsável.
Após uma queda considerável em suas receitas em decorrência do rebaixamento para a segunda divisão, é fundamental para o Grêmio a pronta recuperação de seu potencial de arrecadação, para que o clube não entre em uma crise financeira que pode ter resultados catastróficos para o seu futuro. Assim, o possível acesso do clube para disputar a Série A do Campeonato Brasileiro de 2023 (no momento o clube tem 92% de chance de subir), será de suma importância para suas perspectivas, pois representaria um enorme aumento nas receitas, além de um grande passo para a rápida recuperação da honra e do prestígio de um dos maiores clubes do Brasil.
Com a volta do ídolo Renato Portaluppi ao comando do tricolor gaúcho, o maior desafio do clube será, uma vez que o acesso à Série A for confirmado, a recuperação da competitividade do clube em âmbito nacional através de uma gestão financeira e esportiva inteligente e responsável, fugindo de vícios que, há não muito tempo, levaram o Grêmio a um dos maiores vexames de sua história. O buraco não é tão fundo, e a reconstrução do Tricampeão da América depende apenas dele mesmo.
Referências
Relatório da Administração (2021)