O ABISMO OLÍMPICO BRASILEIRO

FEA Sports Business
9 min readAug 1, 2021

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A falta de investimento e de estrutura, com os consequentes reflexos no cenário competitivo brasileiro do rugby, basquete e handebol.

Por Danilo Resca, Lucas Muniz, Marcelly de Castro, Matheus Jesus e Rudá Emídio.

Durante os Jogos Olímpicos, realizados a cada 4 anos, um ponto corriqueiramente levantado é a real situação competitiva dos esportistas brasileiros nas mais variadas modalidades, além dos incentivos financeiros e a infraestrutura que os mesmos possuem para se desenvolverem como atletas. Infelizmente, a resposta majoritariamente encontrada é o baixo investimento existente. Ao mesmo tempo, é no decorrer desses períodos que vemos representantes nacionais em ação - muitos que caem no esquecimento rapidamente, mesmo em circunstâncias de incríveis superações, conquistando medalhas contra adversários de outros países que proveram suporte financeiro e esportivo maior.

Nesse contexto, tanto nas atividades individuais quanto coletivas, atletas do Brasil costumam fazer apelos em prol da valorização dos esportes no país, dado o potencial de gerar oportunidades para pessoas em situação de vulnerabilidade socioeconômica e, por conseguinte, aumentando o bem-estar da sociedade – algo extremamente necessário para um país nitidamente marcado por fortes desigualdades sociais.

Ademais, a carência de estruturas para treinamento e desenvolvimento de jovens talentos enfraquece o país não só em termos de resultados desportivos nas Olimpíadas e demais competições, como também na própria geração dessas melhorias sociais advindas dos esportes: tendo como exemplo as Olimpíadas do Rio 2016, ou até mesmo a Copa do Mundo de 2014, é válido ressaltar que muitas obras construídas para os eventos são mal utilizadas atualmente (sendo que o abandono é realidade para muitas delas). Desse modo, o problema não só se resume a falta de infraestrutura, mas também ao mau aproveitamento da infraestrutura, resultado da não-priorização do esporte como ferramenta de integração e desenvolvimento dos cidadãos. Para exemplificar, podemos nos debruçar sobre a situação do basquete, rugby e handebol brasileiros.

RUGBY: ENFRENTANDO A FALTA DE TRADIÇÃO COM MUITA DISPOSIÇÃO

É cristalino que o rugby não é a preferência nacional. Esse desporto centenário que, como uma variação do futebol, nunca despertou tanto interesse do povo brasileiro. No entanto, assim como seu irmão da bola redonda, o rugby aportou no Brasil ainda no século XIX, sendo introduzido por Charles Miller - amplamente conhecido por também ser o precursor do futebol no país. Porém, Miller optou por concentrar seus esforços no desenvolvimento do futebol no território nacional e o rugby ficou restrito à pequena comunidade inglesa da cidade de São Paulo.

Ao longo do século XX, os jogadores de rugby, em sua grande maioria, continuaram sendo oriundos da comunidade Inglesa, mas pequenos (ao mesmo tempo que importantes) avanços ocorreram ainda na primeira metade desse século. O principal deles foi a formação da Seleção Brasileira de Rugby, que passou a realizar expedições internacionais, como o histórico jogo contra a seleção do Reino Unido em 1936, com o resultado de 82 a 0 para os ingleses.

Seleção Brasileira de Rugby - Fonte: Hojeemdia.com

Após esse período de poucos avanços, o esporte cresceu exponencialmente com a criação da União de Rugby do Brasil, em 1963, e da Associação Brasileira de Rugby, em 1971. Para se ter uma noção do impacto dessa estruturação inicial do rugby no Brasil, enquanto que, em 1965, 95% dos jogadores dos atletas eram estrangeiros, em 1988, 75% dos jogadores de rugby do país já eram brasileiros natos, e o país já contava com trinta e cinco clubes. A partir disso, importantes marcas foram alcançadas, especialmente na última década. Segundo dados da Confederação Brasileira de Rugby, entre 2010 e 2018, o número de praticantes do esporte no país dobrou. No ano de 2018, todo esse crescimento se materializou em resultados expressivos: A seleção brasileira derrotou as seleções dos Estados Unidos, de Portugal e da Bélgica. Tais vitórias contra seleções tradicionais mostraram que o rugby brasileiro tem potencial para conseguir bons resultados nas principais competições da modalidade.

O rugby tem crescido consistentemente no Brasil nos últimos anos - Fonte: Portalesportenet.com

Especialmente nos últimos anos, esse protagonismo do esporte no país passou a ser realidade, período em que o montante investido nesse esporte cresceu sobremaneira: em 2010, o orçamento da Confederação Brasileira de Rugby era de 30 mil reais. Já em 2018, a entidade contava com um montante de R$ 20 milhões anualmente. Na prática, isso possibilitou o tardio início da profissionalização do esporte, haja vista que, nos dias de jogos, os jogadores tinham que arcar com todos os custos, dos uniformes ao transporte, até então. Atualmente, a lista de patrocinadores conta com grandes empresas como o banco Bradesco e a fabricante de bens de consumo como a Unilever, que vai montar o primeiro centro de formação de atletas da modalidade para até 100 jovens de 15 a 19 anos. Além disso, a Confederação passou a bancar as passagens e estadia para os times no Campeonato Brasileiro. O número de equipes registradas passou de 70 para 115. Em 2011, a final e a semifinal passaram a ser transmitidas pelo canal SporTV, com audiência estimada em 1 milhão de espectadores.

Entretanto, o Brasil ainda está muito longe do ideal em termos competitivos desse esporte. Um dado que comprova esse fato é o valor investido pela Nova Zelândia de NZ$191.000.000 (equivalente a R$ 693.708.811,64) no seu cenário doméstico de rugby em 2018 (ou seja, R$ 673.708.811,64 a mais do que o Brasil no mesmo período). Como consequência, a equipe neozelandesa ocupa a 2° posição do ranking mundial atualmente, enquanto que o Brasil, apenas a 26° posição.

A RUÍNA DO BASQUETE BRASILEIRO

O basquete brasileiro já contou com grandes jogadores, como Oscar Schmidt e Hortência. Como resultado, ganhou diversos títulos, como o Pan-Americano (a exemplo do campeonato de 1987, disputado nos EUA, em que a equipe brasileira masculina derrotou os donos da casa, conquistando a medalha de ouro) e medalhas olímpicas (como a prata conquistada pela equipe brasileira feminina em 1996, nas Olimpíadas de Atlanta).

Oscar Schmidt é eleito para Hall da Fama nos EUA - Fonte: Veja.abril.com

Entretanto, o cenário nacional do basquete está muito aquém do que já foi um dia: a Seleção Brasileira não conseguiu a classificação para os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 tanto no masculino (ao perder para a Alemanha no Pré-Olímpico) quanto no feminino (disputou o Pré-Olímpico em um grupo com Porto Rico, França e Austrália, onde somente um não conseguiria a vaga - como a seleção brasileira feminina perdeu os três jogos, acabou ficando sem a vaga).

Uma explicação para os atuais resultados é o fato de que o basquete brasileiro sofre com a falta de patrocínio, verba e espaço nas mídias abertas. Desta forma, os clubes têm dificuldades para pagar seus jogadores e as despesas mensais.

Ademais, como em outros esportes, as categorias de base são fundamentais para o basquete. Contudo, os clubes não recebem investimentos básicos e, nesse sentido, não são capazes de proporcionar alimentação, assistência fisioterápica e equipamentos adequados para os futuros atletas. Portanto, está cada vez mais difícil se tornar um jogador profissional no país.

Projeto leva aulas de basquete on-line para crianças de escola pública - Fonte: Globoesporte.com

HANDEBOL E UM CONTEXTO ADMINISTRATIVAMENTE CONTURBADO

Em nosso país, o handebol, como modalidade de campo, foi introduzido em São Paulo por imigrantes, principalmente da colônia alemã, no início da década de 30. Já em 1945, foi fundada a Federação Paulista de Handebol, a primeira e, até hoje, a mais importante do país.

Logo da Federação Paulista de Handebol Fonte: Fphand.com

O handebol no país é regido pela CBHd, a Confederação Brasileira de Handebol, desde o dia 1 de junho de 1979, em que a mesma foi fundada. Até aquela data o handebol Brasileiro fazia parte da Confederação Brasileira de Desportos (CBD).

O handebol brasileiro feminino adquiriu maior visibilidade nos últimos anos, em função da conquista da medalha de ouro no Mundial de Handebol Feminino de 2013, e da 5ª colocação nos Jogos Olímpicos do Rio de Janeiro, em 2016. Essas conquistas podem ser associadas a uma trajetória consolidada, cujos êxitos remontam à primeira participação do selecionado nacional no 1º Sul-Americano de Handebol realizado em Buenos Aires, Argentina, no ano de 1983, no qual o país conquistou a terceira colocação.

No decorrer de sua trajetória, a equipe conquistou medalhas em todas as treze edições do Campeonato Pan-Americano (sendo nove de ouro). Além disso, conquistou também medalhas em todas as sete edições dos Jogos Pan-Americanos (sendo cinco de ouro) e, ainda, em três das quatro edições dos Jogos Sul-Americanos (sendo duas de ouro - 2002, 2014). Contudo, nos últimos anos, a equipe feminina não conseguiu se renovar e terminou em 17º lugar nos Mundiais de 2017 e 2019 - a vaga nas Olimpíadas veio por meio da medalha de ouro nos Jogos Pan-Americanos de Lima, em 2019.

Por sua vez, o time masculino também está classificado e disputando os Jogos Olímpicos de Tóquio 2020. No entanto, ressalta-se que a equipe teve o seu pior desempenho nos últimos cinco anos (18º colocado) no Mundial realizado no Egito em janeiro deste ano. A equipe enfrentou adversários muito mais fortes e preparados - diretamente associado ao maior investimento e estrutura que possuem ao comparar com o cenário brasileiro, algo que foi ainda mais potencializado em uma competição marcada pela pandemia do Coronavírus. Consequentemente, o Brasil foi eliminado na primeira fase do torneio.

Seleção feminina de handebol se sagrou pentacampeã no Pan-Americano realizado em 2015 - Fonte: FolhaVitória.com

Apesar de ser considerada uma das grandes potências do handebol mundial, a modalidade ainda sofre, em nosso país. Possuindo uma estrutura frágil e com poucos recursos financeiros voltados tanto para sua expansão como para a formação de atletas de base, é difícil dar continuidade a essa trajetória plena de significativos resultados.

Como exemplo da má gestão, vemos inúmeros escândalos que envolveram pessoas importantes dentro do esporte no Brasil, vide Ricardo Souza, ex-presidente da CBHd, acusado de assédio moral e sexual contra uma funcionária da Confederação durante os Jogos Pan-Americanos de Lima, em 2019. Neste ano, a CBHd deverá ter direito a R$ 3,6 milhões, principal fonte de recursos da Confederação hoje.

Em meio à queda de braço entre COB e Souza, a seleção ficou de fora de um período de treinamentos da delegação brasileira, no ano passado, em Portugal. A chamada missão Europa era uma maneira de manter atletas em atividade num país em que a pandemia passava por um momento de arrefecimento, o que explícita a falta de investimentos e estrutura para com esta importante modalidade olímpica nas terras tupiniquins.

POR FIM…

A partir do que foi apresentado, é possível concluir que as discussões a respeito do investimento no esporte em nossa realidade, acalentadas durante períodos olímpicos, devem transcender a essas épocas, de modo que os apelos dos atletas sejam entendidos de maneira ampla, vendo o esporte como um importante investimento para as futuras gerações, visando a aumentar as conquistas sociais.

FONTES:

Falta de investimento na base do basquete

Exemplo da Vila Olímpica

O rúgbi virou negócio no Brasil, e cresce rapidamente — Campal Serviços Contábeis

Rúgbi mostra sua força no Brasil e cresce dentro e fora de campo

Rugby: CBRu mira investimento na base e em time feminino para desenvolver esporte no Brasil

Após denúncias de corrupção e assédio sexual, handebol tenta limpar imagem a partir de Tóquio

Trajetórias esportivas de jogadoras de handebol e suas narrativas sobre ser profissional da modalidade

Hortência

Brasil para na Alemanha e não se classifica para Tóquio no basquete

Brasil perde para a Austrália e está fora da Olimpíada, o que não acontecia desde 1992

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