O BRASILEIRÃO EM MEIO À PANDEMIA

FEA Sports Business
10 min readMar 1, 2021

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Uma análise geral do Campeonato Brasileiro Série A de 2020.

Por Ana Karoline, Gabriel Landim, João Mesquita e Lucas Muniz.

O Campeonato Brasileiro de 2020 foi, sem sombra de dúvidas, um Campeonato que entrará para a história. Não somente por se dar em um momento de incertezas políticas, restrições sociais e crescentes taxas de infecção por coronavírus - inclusive entre os atletas e comissão técnica -, mas também pelas tantas reviravoltas que os clubes enfrentaram. Demissões de técnicos, rebaixamentos, perda da liderança e a garra para ‘tirar leite de pedra’ num momento de dívidas multimilionárias, caracterizaram a temporada.

Ainda assim, chegou-se ao fim uma temporada bastante competitiva, que propiciou muitos gritos ensandecidos de felicidade e alegria nas salas de estar de todo o Brasil. Cabe aqui, dessa forma, uma análise dos clubes e técnicos que mais mexeram com o coração do torcedor sofredor.

COMPARAÇÃO ENTRE TÉCNICOS

A temporada de 2020/21 do futebol brasileiro foi marcada, mais uma vez, pela alta frequência de trocas de treinadores feitas pelos clubes. Ao todo, foram cerca de 27 ocasiões em que os clubes mudaram de técnicos, seja devido a demissões ou devido a pedidos de demissão - como no caso de Odair Hellmann, do Fluminense, e Eduardo Coudet, do Internacional. Alguns clubes, ao trocarem de técnicos, optaram por apostar em novos rostos, enquanto, de contramão, outros clubes optaram por alternativas mais conservadoras, visando, através da contratação de treinadores cuja técnica já é bem conhecida, a manutenção do elenco sem, necessariamente, deixar sua zona de conforto. Curiosamente, o campeão e vice-campeão dessa edição do Campeonato Brasileiro apostaram, cada um, em opções opostas.

Estreando no Campeonato Brasileiro no mesmo dia - 11 de novembro de 2020 -, ambos os técnicos Rogério Ceni e Abel Braga começaram a disputa pelo título, respectivamente travada por Flamengo e Internacional.

Rogério Ceni sendo apresentado Flamengo — Fonte: UOL

No caso do Flamengo, após a demissão de seu último técnico - o catalão Domènec Torrent -, a diretoria optou por contratar Rogério Ceni, que, apesar da curta trajetória como treinador, demonstrou grande potencial em suas duas passagens pelo Fortaleza, alcançando bons resultados e conquistando títulos importantes, como o Campeonato Brasileiro Série B, em 2018.

O Internacional, por outro lado, adotou uma postura diferente do Flamengo. Após a saída de Eduardo Coudet (o qual aceitou a proposta para comandar o Celta de Vigo), o clube gaúcho decidiu trazer Abel Braga, um técnico considerado por muitos como ultrapassado, possuindo, todavia, uma grande história com o Internacional, além de um exímio currículo.

Abel Braga, eleito o melhor técnico do Brasileirão — Fonte: CBF

Surpreendentemente, após 16 partidas no Campeonato Brasileiro, não notou-se tanta diferença como esperado por muitos torcedores. Ambos os técnicos alcançaram 10 vitórias, 3 empates e 3 derrotas, com aproveitamento de 68,75%. Entretanto, com a vitória do Flamengo no confronto direto, somada aos resultados da última rodada, o Rubro-negro consagrou-se campeão. Ainda assim, é imperioso reconhecer o equilíbrio existente entre os trabalhos tão distintos de Ceni e Braga.

PREMIAÇÕES E ANÁLISE DO “PÓDIO” DO BRASILEIRÃO

Após o término do Campeonato Brasileiro de 2020/21, as devidas premiações foram distribuídas aos clubes, técnicos e jogadores. Dentre elas, podemos destacar o prêmio Craque da Galera, promovido pela própria Confederação Brasileira de Futebol (CBF) em seu website. A votação online, já encerrada, premiou Gabriel Barbosa, popularmente conhecido como “ Gabigol ”. O atacante do Flamengo, autor de 13 gols e 5 assistências, foi eleito Craque da Galera com 53% dos votos, deixando para trás Luciano (segundo colocado com 27% dos votos) e Patrick (5° colocado com 3%). A votação foi encerrada no dia 21 de fevereiro, antes mesmo de o Flamengo vencer o Internacional e por fim, sagrar-se campeão no Estádio Cícero Pompeu de Toledo, o Morumbi.

Gabigol recebendo o prêmio de craque da Galera — Fonte: CBF

Além disso, é perceptível, entre os candidatos a Craque, a prevalência de atletas oriundos de times que encerraram suas participações em melhores posições, o que é justificável se considerado o desempenho individual desses atletas, que impactou positivamente a colocação de seus respectivos clubes.

À parte dos desempenhos individuais dos atletas candidatos a Craque da Galera, surge o questionamento sobre se há, de fato, uma relação entre o desempenho das equipes que terminaram o campeonato ocupando a parte alta da tabela, e seu panorama técnico-financeiro. A fim de elucidar a dúvida, uma análise dos três primeiros colocados torna-se pertinente.

Em ordem decrescente, observa-se, primeiramente, o Clube de Regatas do Flamengo. O campeão dessa edição assumiu o topo da tabela somente na penúltima rodada, em um confronto direto com o Sport Club Internacional, o líder até então. No entanto, o contexto financeiro e esportivo do clube da Gávea nos últimos anos condiz com a posição de campeão?

Em primeiro momento, analisando as finanças de forma mais técnica, é possível afirmar que, sim, as situações são condizentes, haja vista que, de acordo com os balanços financeiros divulgados pelo clube em 2019 (devido à pandemia de Covid-19, os clubes brasileiros não divulgaram seus demonstrativos relativos à competência de 2020), o Rubro-negro foi o que mais obteve arrecadamento de receitas, acumulando o total de R$805 milhões.

Ainda, vale ressaltar que, a partir da reformulação que o clube passou em 2013 com o controle de suas dívidas, nota-se a simbiose entre receitas e custos/despesas, com ênfase nos últimos 4 anos: houve um aumento de receitas, associado intimamente ao crescimento linear e controlado dos custos da equipe, justificados pelo maior investimento na montagem de elencos competitivos. Por sua vez, esse investimento gerou resultados competitivos significativos — como, por exemplo, os títulos do campeonato Brasileiro e da Copa Libertadores, ambos conquistados em 2019 -, e, com o subsequente aumento abissal nas receitas (maiores fatias ganhas em direitos de transmissão, premiações dos campeonatos, venda de atletas e bilheteria/sócio torcedor), a gestão do clube pôde continuar investindo mais para as temporadas seguintes, prolongando seus ‘ciclos’ financeiros bem sucedidos. Nesse sentido, o contexto do final de 2019 e início de 2020 foi marcado por um clube forte, esportiva e financeiramente, apontado por grande parte da mídia esportiva como um dos favoritos para conquistar o Brasileirão 2020.

Receitas e Custos/Despesas do Flamengo

Todavia, é importante salientar que a temporada de 2020/21 não foi só maravilhas para o clube da gávea, posto que foi, também, marcada por investimentos errôneos em jogadores e comissão técnica (Michael, Léo Pereira, Gustavo Henrique e Domènec Torrent), os quais não deram retornos significativos, a ponto de corresponderem ao montante investido. Aliado a isso, desempenhos abaixo da média foram apontados como pontos determinantes nas eliminações precoces na Copa Libertadores e Copa do Brasil.

Eliminação do Flamengo na Libertadores 2020 -Fonte: IG Esporte

Por sua vez, o Internacional, vice-campeão do Campeonato Brasileiro de 2020/21, iniciou o ano com uma situação financeira nada promissora, quadro que sofreu considerável piora durante o primeiro semestre de 2020, devido a pandemia de Covid-19. Houve um aumento expressivo de suas dívidas, as quais acumulavam valores na casa dos R$581 milhões, sendo surpreendentes R$400 milhões somente em dívidas de curto prazo — isto é, dívidas a vencerem em até um ano.

Endividamento do Internacional — Fonte: Globo Esporte.

É evidente que, como destacado por Rodrigo Capelo no site do Globo Esporte, o Colorado conseguiu, no segundo semestre de 2020, diminuir para R$364 milhões as preocupantes obrigações de curto prazo. Entretanto, com a tomada de mais empréstimos de longo prazo, o problema se arrasta para as próximas gestões.

Apesar do delicado momento financeiro do clube gaúcho, o time manteve boa parte da base vice-campeã da Copa do Brasil de 2019, e contou com 13 reforços para a temporada. Com destaque, nomes como Thiago Galhardo, Yuri Alberto, Boschilia, Saravia e Moisés, figuraram entre os titulares em boa parte dos jogos. Nesse sentido, é possível afirmar que o Internacional conta com um bom elenco e, apesar do rendimento além do esperado- uma vez que os grandes veículos da imprensa destacavam Flamengo, Atlético Mineiro e Palmeiras como principais favoritos ao título -, a sua posição final na tabela é justificável.

Thiago Galhardo, autor de 17 gols no Brasileirão — Fonte: goal.com

Por fim, o Atlético Mineiro, 3° colocado nesta última edição do campeonato brasileiro, apesar de não possuir uma vida financeira saudável (com dívidas na casa dos $750 milhões de reais), começou a temporada de 2020 com perspectivas animadoras de disputa de título. Isso se deve aos investimentos feitos pelo clube para a temporada: 17 contratações de jogadores — dentre eles titulares da equipe como Guilherme Arana, Junior Alonso, Eduardo Vargas, Allan, Savarino, Everson e Keno -, totalizando um valor na casa dos 170 milhões de reais, além da contratação do badalado técnico argentino Jorge Sampaoli e de sua comissão técnica.

Guilherme Arana e Keno, duas das principais contratações do clube Mineiro em 2020 — Fonte: Twitter oficial do Atlético Mineiro.

Obviamente, é razoável questionar como o clube conseguiu fazer tantos investimentos em meio a uma situação financeira não tão confortável. No entanto, isso torna-se compreensível ao entender os responsáveis por tais investimentos: o clube alvinegro mineiro contou com a importante ajuda dos empresários Ricardo Guimarães (que acumula um histórico de R$ 160 milhões de reais já emprestados) e Rubens Menim (o qual já desembolsou em empréstimos cerca de R$70 milhões para as contratações a pedido de Jorge Sampaoli, além de custear maior parte do salário do argentino e toda sua comissão técnica). Este último que foi um dos fundadores da MRV, construtora que financiará e dará nome também ao novo estádio do Galo.

Rubens Menim e Ricardo Guimarães — Fonte: Revista Encontro.

É importante a ressalva de que a maior parte das contratações do clube, financiada por seus “mecenas”, possui um perfil de jovens com grande potencial de valorização e de futuras vendas, consequentemente, gerando retorno financeiro para o clube e seus investidores.

Matias Zaracho, jogador de 22 anos com 10 milhões de euros de valor de mercado — Fonte: Transfermarkt.

Assim, ao analisar esse quadro geral do time atleticano, pode-se inferir que o clube desapontou por não participar dessa briga pelo título na reta final, mas lembrando que sua colocação é amplamente justificável pelo seu desempenho geral (que deixou a desejar em jogos pontuais) e que, com a manutenção desse elenco e uma pequena melhora no desempenho, o time pode sonhar com a conquista de títulos na próxima temporada.

CENÁRIO ATÍPICO

É fato que a pandemia de Covid-19 alterou drasticamente o cenário futebolístico brasileiro. Um novo calendário foi imposto, as finanças dos clubes foram alteradas, os estádios permaneceram vazios durante os jogos e até o número de substituições permitidas no decorrer dos jogos mudou - tudo isso para adaptar o mundo do futebol às restrições atreladas ao momento em que vivemos.

Diante desse cenário completamente atípico, o Brasileirão também surpreendeu vários torcedores ao longo de sua disputa. Durante a última temporada, o futebol brasileiro alcançou marcas inéditas. A história desse Campeonato Brasileiro foi bem diferente das que foram vistas em anos anteriores. Nesse ano, houveram cinco clubes líderes no total: Vasco, Atlético Mineiro, Internacional, São Paulo e Flamengo. Nenhuma liga europeia teve tantos líderes quanto o Brasileirão de 2020.

Embora não seja a primeira vez que cinco times diferentes chegaram à liderança do campeonato, a trajetória dessas equipes no decorrer da temporada foi atípica. O Flamengo só assumiu a liderança de fato na penúltima rodada, quando bateu o Internacional no Estádio do Maracanã. Antes disso o Rubro-negro até chegou a ocupar o topo da tabela, mas tinha jogos a mais que o São Paulo, que, na ocasião acabou ultrapassando os cariocas após igualar o número de partidas.

Com isso, o Flamengo repetiu o feito de 2009, sendo o campeão que assumiu a liderança mais tardiamente, apenas na 37ª rodada.

A tabela mostra os times que estiveram na liderança, considerando os jogos atrasados -Fonte: Globo Esporte.

Outro destaque a ser feito é sobre o caso do São Paulo, que esteve por 14 rodadas na liderança. O Tricolor se tornou o primeiro time da história dos pontos corridos a abrir 7 pontos de vantagem para o segundo colocado e não sair campeão - o que ocorreu depois da vitória sobre o Atlético- MG, então vice-líder no Morumbi. Na temporada de 2020, o São Paulo teve um aproveitamento superior ao de 2008, quando foi Hexacampeão, mas no final do campeonato, que se estendeu até 2021, o São Paulo conquistou apenas 10 dos 33 pontos que disputou, tendo um aproveitamento de apenas 30%.

Já um exemplo de recorde negativo ocorreu com o Botafogo. O alvinegro teve a pior campanha da história dos pontos corridos entre os times que já foram campeões brasileiros, conquistando apenas 27 pontos em 38 rodadas (aproveitamento de 23,68%). No total, o Botafogo teve a quarta pior campanha na história do campeonato brasileiro.

Bruno Nazário lamenta o rebaixamento do Botafogo após derrota para o Sport -Fonte: Globo Esporte.

FONTES

  1. Flamengo x Inter: Rogério Ceni e Abel Braga estão empatados em números de aproveitamento! | ESPN
  2. https://globoesporte.globo.com/blogs/blog-do-rodrigo-capelo/post/2020/09/25/com-dividas-de-curto-prazo-estouradas-no-1o-semestre-internacional-precisara-vender-mais-jogadores-para-aliviar-caixa.ghtml
  3. https://globoesporte.globo.com/blogs/blog-do-rodrigo-capelo/post/2020/12/22/menos-receitas-e-mais-dividas-ate-o-3o-trimestre-a-estrategia-arriscada-da-diretoria-colorada-cobra-seu-preco-no-internacional.ghtml
  4. https://static.poder360.com.br/2020/07/Analise-dos-Clubes-Brasileiros-de-Futebol-2020-ItauBBA.pdf
  5. https://www.cbf.com.br/futebol-brasileiro/noticias/campeonato-brasileiro-serie-a/premio-brasileirao-2020-gabriel-barbosa-e-eleito-o-craque-da-galera
  6. Técnicos caíram no Brasileirão, só quatro times mantiveram comando | R7 Esportes
  7. Com cinco líderes em 23 rodadas, o Brasileirão segue tendo uma grande qualidade: é imprevisível
  8. Emoção até depois do apito final | Globo Esporte
  9. Botafogo tem a pior campanha de um time grande nos pontos corridos do Campeonato Brasileiro | Lance!

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