O CASO ROBINHO E O HISTÓRICO DE IMPUNIDADE DO FUTEBOL
Por: João Mesquita, Lucas Muniz, Matheus Moraes e Ruan de Oliveira
No dia 10 de outubro o Santos Futebol Clube anunciou oficialmente a contratação do jogador de futebol Robson de Souza, mais conhecido como Robinho, de 36 anos. Menos de uma semana depois, no dia 16, o clube veio a público novamente através de uma nota à imprensa anunciar a rescisão do contrato com o jogador. O que aconteceu nesse curto período trouxe à tona novamente uma discussão polêmica: jogadores de futebol envolvidos em casos de violência e abuso contra mulheres e a presença deles nos clubes brasileiros.
O caso teve uma grande repercussão no Brasil. A imprensa brasileira acompanhou de perto toda a situação, com constantes atualizações sobre o caso, mostrando as reações dos agentes envolvidos direta e indiretamente na contratação e trouxe ao público informações contundentes de um crime de violência sexual pelo qual o jogador foi condenado em primeira instância a nove anos de prisão na Itália em novembro de 2017. Grandes personalidades do esporte brasileiro prontamente se manifestaram contra a decisão tomada pelos dirigentes do clube. Torcedores do Santos, de diversos outros clubes, assim como diversas pessoas e grupos que não são diretamente ligados ao esporte se manifestaram nas redes sociais contra a contratação ao se posicionaram em favor do respeito às mulheres e contra a tolerância para esse tipo de crime.
Apesar de toda essa comoção sobre a contratação, ainda houve quem defendesse a permanência do jogador no clube. O próprio Robson adotou uma abordagem ativa em sua autodefesa nas redes sociais, não só argumentando sobre a sua real participação no crime como atacando abertamente a imprensa. O presidente do Santos, Orlando Rollo, envolvido diretamente na negociação, também defendeu publicamente o jogador.
Felizmente o desfecho dessa situação mostra que ainda há esperanças e bom senso no esporte. Porém, toda essa movimentação gira em torno da tolerância ainda presente no futebol brasileiro em relação à violência contra as mulheres. De certa forma essa tolerância também traz à tona a forma como as mulheres são vistas no esporte. Nesse caso em particular houve a necessidade não só do posicionamento do público como dos patrocinadores. A concretização de tudo isso em perdas de patrocínio e de receita pelo clube é um dos recados mais diretos possíveis aos dirigentes sobre como a sociedade está mudando e está menos tolerante a esse tipo de situação.
Como veremos, esse não foi o primeiro caso, também pode não ser o último. Nem todos são ou serão divulgados e repercutidos, gerando uma sensação de impunidade. Mesmo assim, sempre é possível tirar uma lição para que estejamos mais preparados quando situações similares ocorrerem.
POSICIONAMENTO DOS CLUBES
Além de afetar a relação com os patrocinadores, casos semelhantes ao de Robinho põem em xeque também as ações afirmativas e campanhas de conscientização voltadas à violência contra a mulher desenvolvidas por esses times, e com isso, fazem com que os torcedores de forma geral, mas em especial as torcedoras, contestem o posicionamento do clube.
Isso ocorreu recentemente com o Santos. Em agosto deste ano o time da Baixada lançou uma campanha de combate contra a violência doméstica, que triplicou durante o período de quarentena. A ação visava incentivar as mulheres a denunciarem qualquer tipo de violência através do ramal 180.
Com a contratação de um jogador condenado em primeira instância por estrupo, passou a questionar-se o posicionamento do clube em relação a sua própria campanha: que mensagem o time estaria passando em relação ao combate à violência contra a mulher ao contratar Robinho?
Mais do que a campanha feita pelo Santos, torcedores de outros clubes passaram a cobrar posicionamentos mais contundentes de suas equipes em relação ao tema, dentro e fora de campo.
Ações como o lançamento de camisas rosas no mês de outubro em alusão ao combate ao câncer de mama e campanhas de marketing incentivando a denúncia por parte das vítimas de violência doméstica estão se tornando cada vez mais frequentes no futebol brasileiro, mas isso não quer dizer que os clubes estejam engajados em pautas feministas.
A presença de diversos jogadores acusados e até condenados por algum tipo de violência contra mulheres nos elencos dos principais times brasileiros é uma prova disso.
Outra prova é o descaso com o futebol feminino. Em 2019 entrou em vigor uma imposição da CONMEBOL sobre os times brasileiros que determinava que todos os envolvidos na disputa da Série A precisariam manter uma equipe feminina principal e de base. Das 20 equipes que disputaram a primeira divisão em 2019 apenas 7 tinham uma equipe feminina estruturada no começo do ano passado. Além disso, parte das equipes femininas dos clubes da elite não utilizam o estádio de seus clubes para mandarem seus jogos, em vez disso, mandam seus jogos nos centros de treinamento.
POSICIONAMENTO DE PATROCINADORES
Um contrato de patrocínio envolve uma troca entre patrocinador e patrocinado: o patrocinador associa-se à imagem do patrocinado, seja um clube ou atleta, e aos valores que envolvem seu nome, enquanto o patrocinado recebe uma compensação financeira para representar a marca. Em resumo, a empresa contratante paga para poder alcançar públicos específicos ou ganhar representatividade no mercado por meio do nome do patrocinado. Portanto, trata-se de uma relação de benefício mútuo e de grande importância para o esporte como um todo.
No entanto, não é só de benefícios que se constrói a relação patrocinador-patrocinado. Ao alinhar sua imagem à um atleta ou instituição, a empresa contratante assume também os riscos de estarem com estes durante momentos inoportunos. Assim, cabe às marcas a decisão de se manterem, ou não, com o patrocinado após tais momentos, e é delas também a responsabilidade pela agilidade com que se posicionam. No fim das contas, as empresas têm que balancear o que consideram ético com seus interesses financeiros. Assim, mesmo em grandes escândalos envolvendo o esporte, o procedimento adotado por patrocinadores não é, por via de regra, uma unanimidade entre as marcas, ainda que independentemente do caminho seguido, é de grande importância que a empresa se posicione.
Tomando por exemplo a relação entre o Santos e seus patrocinadores após a contratação de Robinho, vê-se que, embora os contratos de patrocínio envolvam diretamente o clube e não o jogador, o fato de o atleta representar a equipe associa-o, por consequência, com as marcas patrocinadoras do Santos. Desse modo, diante da grande repercussão do caso, as patrocinadoras pressionaram o clube a rescindir o contrato com o jogador — o que veio a se concretizar –, pois caso contrário, encerrariam ou suspenderiam a parceria que mantêm com o Santos. Algumas marcas foram ainda mais enfáticas em seu posicionamento, como a Orthopride, que anunciou, como resposta imediata à contratação, o rompimento de seu contrato de patrocínio, e a Brahma, que comunicou que, por conta do episódio, não renovaria seu patrocínio com o clube, que encerrou no dia 1º de outubro.
CASOS CONHECIDOS E SUA REPERCUSSÃO
Infelizmente no esporte em geral, e principalmente no futebol, casos de violência de atletas para com as mulheres são recorrentes e não recebem a devida importância que deveriam: desde jogadores mais conhecidos nacional ou internacionalmente (como os casos do goleiro Bruno e de Robinho) até com aqueles de menor expressão e aclamação popular (como o atacante reserva do Red Bull Bragantino, Wesley Pionteck), esses acontecimentos parecem ser rapidamente esquecidos. Isso reflete uma grande negligência das instituições e da sociedade, em geral, com a vida das mulheres.
Fato que corrobora essa ideia de esquecimento de agressões é do atacante Robinho (caso já abordado anteriormente), que não teve essa polêmica de impeditivo para ser anunciado como reforço pelos Santos em 10 de outubro esse ano. Vale ressaltar que o erro veio por parte do clube, no entanto a decisão não foi acatada pelas mídias sociais, mídias tradicionais e patrocinadores.
No entanto, diferente dessa situação envolvendo Robinho, podemos ressaltar outras circunstâncias em que houve não só negligência das instituições esportivas, mas também uma negligência da sociedade como um todo para agressões de atletas a mulheres: podem-se destacar os casos de Wesley Pionteck e do goleiro Bruno, cada um com suas características específicas que precisam ser detalhadas, mas que acabam por refletir ao final essa negligência.
Em relação à situação de Wesley Pionteck, o jogador de 24 anos foi condenado de maneira definitiva em outubro de 2019 a um ano e quatro meses em regime aberto por agressão a sua então companheira na época. Entretanto, isso não o impediu de ser emprestado ao Red Bull Bragantino e fazer sua estreia pelo campeonato brasileiro série A contra o Atlético Goianiense no dia 11 de outubro deste ano. A reflexão que se pode fazer sobre essa situação é a completa banalização de algo muito grave: ao cumprir a pena em regime aberto e poder treinar e jogar as competições com maior visibilidade do país, a ideia transmitida é de impunidade perante um crime tão condenável. Ao mesmo tempo, o caso foi pouco repercutido nas mídias sociais e tradicionais (poucas notícias foram publicadas sobre o caso), e pelas ações tanto do clube (que mantêm o contrato de empréstimo e coloca o atleta para jogar) quanto dos patrocinadores (a maioria se isentou de comentar sobre o caso), a conclusão geral que pode ser tomada é de negligência total da sociedade.
Ademais, é essencial abordar o icônico caso do goleiro Bruno, que era titular e foi campeão brasileiro em 2009 atuando pelo Flamengo. Dificilmente alguém não saberá nada sobre esse caso, tendo em vista a ampla cobertura nacional pelas mídias tradicionais sobre o processo de julgamento do goleiro, que acabou com uma condenação de 20 anos e nove meses por homicídio triplamente qualificado, sequestro e ocultação de cadáver de Eliza Samúdio (mãe de um de seus filhos). Apesar do teor da assustadora atitude do goleiro, que acaba por ser mais séria do que as dos demais casos, o cumprimento da sentença por Bruno (que permaneceu em regime fechado até 2019 e agora cumpre o resto da sentença em regime semiaberto) deu um sinal de que nem tudo era passível de impunidade.
No entanto, é importante destacar o fato de que quatro meses antes de ser preso o mesmo havia pronunciado a seguinte frase: “Quem nunca brigou ou até saiu na mão com a mulher? Em briga de marido e mulher ninguém mete a colher, xará”. A frase por si só já reflete o teor extremamente retrógrado e machista, tendo em vista que sugere que ninguém se envolva em problemas de outros casais, por mais graves que sejam (tal como expresso na própria frase de Bruno sobre violência física entre os membros do casal). Portanto, a afirmação do goleiro infelizmente acaba por refletir um triste cenário machista dentro do esporte e da sociedade, o qual é comprovado também pelos outros casos relatados anteriormente. Nesse sentido, visualiza-se um contexto de pouca cobrança dos jogadores acerca de suas ações e afirmações (inclusive, na época, a frase de Bruno foi pouco repercutida e hoje em dia são poucos que a relembram), sendo isso extremamente perigoso quando se leva em consideração o potencial status de idolatria e de influência sobre outras pessoas que esses atletas podem ter.
FONTES
- ge / Patrocinadores pressionaram Santos para desistir da contratação de Robinho
- DINHEIRO EM JOGO #76 — MUITO ALÉM DO CASO ROBINHO
- ENTENDA COMO FUNCIONA O PATROCÍNIO ESPORTIVO E O PAPEL DO PATROCINADOR
- SANTOS LANÇA CAMPANHA CONTRA A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
- MONTAR TIME FEMININO É EXIGÊNCIA PARA EQUIPES DA SÉRIE A EM 2019
- ge / As gravações do caso Robinho na justiça italiana: “A mulher estava completamente bêbada”
- ge / Robinho não é caso isolado: outro clube da Série A tem jogador condenado por violência contra mulher
- ge / Mete a colher: agressão de mulheres por jogadores não pode ser tratada como questão sem relação com futebol
- Uol / Pode jogar. Mas deve?
- Santos anuncia a volta de Robinho | santos | ge
- Após divulgação de conversas, Santos rescinde contrato com Robinho
- Casagrande critica Santos por contratação de Robinho: “Violência à moral da sociedade”
- Caio Ribeiro diz que Robinho merece ‘benefício da dúvida’ e critica Santos
- Robinho ataca imprensa brasileira e diz que vítima pede R$ 3 milhões
- Presidente do Santos defende Robinho: “Atire a primeira pedra quem nunca pecou”
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