O DESEMPENHO ESPORTIVO DA RÚSSIA EM XEQUE: QUANDO O DOPING VIRA UMA POLÍTICA DE ESTADO
Histórico de polêmicas envolvendo o doping, atual eficiência dos testes e as consequências na atual edição dos Jogos Olímpicos.
Por Isabelly Menezes, Luan Freitas, Lucas Macedo, Rudá Emídio e Thiago Abe.
DIGNO DE TELA DE CINEMA…
O documentário Icarus da Netflix, ganhador do Oscar em 2018, mostra todo o esquema feito pela Rússia para conseguir burlar os sistemas antidoping. O nome do documentário tem relação com o herói da mitologia Grega Icarus, que foi preso junto ao seu pai em um labirinto e, para fugir, teve que usar artimanhas que fugiam dos limites humanos, como a capacidade de voar. O uso de dopings traz efeitos semelhantes ao organismo humano: faz com que limites naturais sejam ultrapassados e recordes sejam batidos.
Porém, o que parecia ser uma página virada no mundo do esportes, foi reavivada por um complexo programa estatal de dopagem de atletas, desenvolvido para melhorar o desempenho dos desportistas russos em competições internacionais e, por conseguinte, resultar em um ganho de capital político para o regime autoritário e beligerante vigente no país. Tal estratégia intensificou-se após o bom desempenho da Rússia nas Olimpíadas de inverno de Sochi em 2014, resultado que elevou a popularidade do presidente russo como pode ser observado no gráfico abaixo.
Após todo o escândalo envolvendo o governo e os atletas russos em Londres 2012, Sochi 2014 e Rio 2016, a punição adequada posta pela WADA (Agência Mundial Antidoping, em português) parecia ser o banimento total da Rússia das Olimpíadas subsequentes, porém a punição maior foi para o atletismo russo, principal modalidade “turbinada” pelo esquema, o qual ficou impedido de participar das olimpíadas de Tóquio 2020. Para o resto dos atletas, a punição foi a proibição do uso dos símbolos nacionais (hino, bandeira e nome do país) durante as competições. Assim, os atletas russos, sob os quais não havia nenhum indício de participação no esquema de dopagem química, passaram a competir sob a bandeira do ROC (Russian Olympic Committee).
A honestidade nas olimpíadas sempre foi uma questão primordial. Porém, até meados do século XX, era muito difícil detectar essas substâncias no organismo dos atletas, dado a alta tecnologia necessária. A proibição em 1967 só veio devido ao alto risco de morte com o uso de doping, mas, ironicamente, o primeiro caso de doping foi relacionado ao consumo de álcool. Outras substâncias mais fortes atreladas ao alto rendimento, como esteroides e anabolizantes, só foram proibidas anos mais tarde.
Ao longo dos anos, os testes evoluíram muito, mas os métodos de fraudar também ficaram mais sofisticados. Após as suspeitas de doping da equipe russa em 2012, um novo protocolo, propagandeado como impossível de fraudar, foi feito para impedir o uso de substâncias proibidas. O sistema contava com um recipiente que, quando fechado, só poderia ser aberto com uma máquina específica. Porém, como mostra o documentário Icarus, os russo desenvolveram um método de interceptar esses recipientes, abri-los e trocar o conteúdo por outro livre de qualquer suspeita. Esse método só foi descoberto por causa de denúncias do então ex-presidente do laboratório nacional russo antidopagem, Grigory Rodechenkov, que tinha um papel fundamental no esquema, que incluía até mesmo o ministro dos esportes russo, oficial diretamente subordinado ao presidente Vladimir Putin.
CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA SOBRE O DOPING
O doping ocorreu em diversos momentos da história. Entretanto, popularizou-se principalmente na Segunda Guerra Mundial, época em que os cientistas alemães sintetizaram a anfetamina para que os pilotos de bombardeiro noturno utilizassem, visto que amplificava a acuidade visual e mental.
Ademais, os soldados alemães, que atuavam no campo de batalha, faziam uso de esteroides anabolizantes para aumentarem a força e a agressividade, sendo que essa iniciativa dos alemães na 2ª Guerra Mundial foi possível devido às inescrupulosas experiências realizadas nos presos, dentro dos campos de concentração. Além disso, ressalta-se que a maioria dos soldados não sabia que estava recebendo essas substâncias para aumentar o desempenho durante o combate, tendo em vista que eram receitadas como uma espécie de vitamina, com a justificativa de fazer com que os recrutas suportassem os esforços da guerra.
Após a 2ª Guerra Mundial, vários tipos de doping, desenvolvidos pelos alemães e outras nações, migraram para o esporte de alto rendimento.
HISTÓRICO DOS TESTES DE DOPING E A ATUAL EFICIÊNCIA
Apesar da dopagem bioquímica ser prejudicial à saúde, o Comitê Olímpico Internacional (COI) só começou a proibir o uso do doping em 1967. Oficialmente, o principal motivo para a demora na adoção dessa medida foi a dificuldade em detectar tais substâncias no organismo dos atletas. Todavia, a mola propulsora que suscitou a importância do combate ao doping foi a morte de dois atletas em 1960, vitimados pelo uso de anfetamina.
Nos Jogos Olímpicos do México, em 1968, foi detectado o primeiro caso de doping no mundo dos esportes. Na época, a testagem feita pelo COI detectou a presença de álcool no organismo de um dos competidores. Apenas em 1976 os esteroides anabolizantes passaram a entrar na lista de substâncias proibidas. A partir desse ponto, o COI concentrou seus esforços no desenvolvimento de uma série de testes para a detecção dessas substâncias.
Nesse processo, em 1994, testes sanguíneos passaram a ser incorporados para detectar doping, e em 1999 foi criada a Agência Mundial Antidoping (WADA). Testes para a detecção da eritropoietina (EPO) foram adotados em 2000, e em 2008 foi criado o Passaporte Biológico, uma ferramenta utilizada para monitorar a presença de doping no atleta durante um período longo de tempo.
Desde então, sem dúvida alguma, o caso mais emblemático da história do combate ao doping teve como protagonista o ciclista norte-americano Lance Armstrong, campeão do Tour de France (principal competição do ciclismo mundial) por sete vezes consecutivas, até então considerado o “Pelé do ciclismo”. Depois de uma série de acusações, a WADA(Agência Mundial Antidoping) iniciou uma investigação de todas as amostras disponíveis de Armstrong. Após uma análise minuciosa, foi detectado o uso de eritropoietina a partir das amostras de urina congelada de Armstrong, que perdeu todos os títulos conquistados em sua vitoriosa carreira.
A partir do caso Lance Armstrong, destacou-se a importância de uma testagem eficaz, para a realização de competições mais justas e a preservação da saúde dos atletas. Seguindo essa linha de atuação, a WADA criou o Código Mundial Antidopagem com o objetivo de melhorar o monitoramento dos atletas. Nesse código, foi definido o “Padrão Internacional para Testes e Investigações” (ISTI), que possui como propósito o planejamento de normas obrigatórias para o planejamento de realização de testes, realização de coleta, transporte de amostras e segurança de amostras e documentações. Contudo, um possível entrave para a da testagem em massa seria a existência de um esquema governamental de dopagem, como ocorreu na Rússia, em meados dos anos 2010.
EFEITOS DE SEU PASSADO…
Como observado, a Rússia possui uma trajetória fortemente atrelada a acusações de doping dentro das Olimpíadas. Dessa forma, apesar de seus atletas estarem competindo na atual edição, o país sofre com determinadas restrições no evento. De modo geral, as sanções impostas à Rússia visam impedir a presença dos artefatos que identificam o país. Nesse cenário, o ponto nevrálgico das restrições impostas pelo COI diz respeito aos símbolos nacionais.
O primeiro ponto afetado é sua própria bandeira, a qual não pode estar presente nos uniformes dos atletas e nem ser utilizada por eles. Como consequência disso, a delegação russa foi obrigada a participar do evento sob o nome de Comitê Olímpico Russo (ROC) e a bandeira do país foi substituída por uma nova bandeira que remete às cores da original, mas também é composta pelos anéis olímpicos na sua formatação clássica.
Outro ponto símbolo apartado dos jogos foi o hino do Russo, o qual não pôde ser reproduzido nas cerimônias de premiação. Dessa forma, tal harmonia foi substituída por um concerto para piano composto por Piotr Tchaikovsky, compositor russo do século XIX.
Por fim, também é necessário ressaltar o grande clima de desconfiança presente na competição, em decorrência da presença de atletas russos nos Jogos, diante do esquema de doping supracitado. Acerca disso, na prova final dos 200 metros costas, Ryan Murphy, nadador norte-americano, relatou que a vitória do russo Evgeny Rylov “provavelmente não foi limpa”. Assim, percebe-se que, apesar dos atletas russos estarem seguindo as restrições impostas, eles ainda são criticados por seus concorrentes devido ao histórico do país no evento.
EM SUMA…
Os atletas olímpicos assumem um compromisso com a igualdade. Logo, em tese, fiéis a esse propósito, não utilizariam meios não naturais que os coloquem à frente dos outros competidores. Assim, diferentemente de Icarus, que para fugir da sua prisão teve de utilizar métodos que fugiam da capacidade humana, os atletas olímpicos têm o dever de lutar dentro do seus limites para se superarem. Entretanto, ao final, a lenda de Icarus deixa uma lição, pois ao conseguir a capacidade de voar, ele abusa disso e acaba por tentar voar cada vez mais alto, o que ocasionou a sua queda e morte.
Analogamente, atletas que fazem o uso de substâncias proibidas, mesmo que alcancem a glória através de medalhas e títulos, possuem uma mancha indelével na sua história, e, ao contrário dos ídolos do esporte, serão sempre lembrados como trapaceadores.
FONTES:
Antidoping: Comitê Olímpico Brasileiro
Padrão Internacional para Testes e Investigações: Código Mundial Antidopagem
Entrevista de Lance Armstrong à BBC sobre o caso de doping em sua carreira
Olimpíada de Tóquio 2021: por que a Rússia foi banida dos Jogos e da Copa de 2022