O MEIO PUBLICITÁRIO E O FUTEBOL: SUCESSO E CONTRADIÇÕES

FEA Sports Business
9 min readJun 27, 2021

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Histórico da relação de marcas e atletas, a questão do limite da liberdade de expressão dos jogadores e uma discussão sobre patrocínios.

Por Danilo Resca, Kaique Oliveira, Marcelly de Castro, Matheus Jesus e Rudá Emídio.

CASOS DE SUCESSO E FRACASSO

Ultimamente, as relações entre empresas e atletas não andam muito bem: no mês passado, a Confederação Brasileira de Voleibol (CBV) anunciou a parceria com a Asics, comprometendo-se a fazer com que as atletas da Seleção Brasileira Feminina de Vôlei calçassem os tênis da marca durante os jogos. Entretanto, as jogadoras não gostaram da decisão e em um jogo pela Liga das Nações, entraram com tênis de marcas concorrentes. Desta forma, a CBV decidiu revisar o contrato.

Ainda em maio, Neymar publicou uma foto em que vestia o uniforme da Seleção Brasileira de Futebol, mas escondia o símbolo da Nike com a utilização de um emoji. Tal atitude é resultado da briga entre a empresa e o craque iniciada em 2019, quando a marca esportiva rescindiu o contrato com o atacante brasileiro em decorrência de uma acusação de assédio sexual, além da recusa do jogador em cooperar com as investigações.

Neymar cobre símbolo na Nike em foto durante treino da seleção brasileira - Fonte: Uol.com

Já em 2013, a Nike e a Oakley suspenderam imediatamente os contratos de patrocínio com o medalhista olímpico Oscar Pistorius assim que foi condenado à prisão por matar sua namorada, a modelo Reeva Steenkamp, em Pretória, na África do Sul. As marcas que utilizavam a imagem do atleta como símbolo de superação, decidiram, após a condenação, se desvincular da imagem do corredor.

Entretanto, diversos outros casos de sucesso também podem ser citados: o primeiro e mais evidente é o da Nike com Michael Jordan. Desde a sua criação, em 1985, a linha de tênis Air Jordan fez muito sucesso, tornando-se um dos principais produtos da marca. Fato muito importante em números para a Nike e em fama para Jordan, que conseguiu manter seu legado vivo, mesmo para aqueles que não tiveram a oportunidade de vê-lo brilhar nas quadras de basquete.

O Air Jordan Nike acompanhou não só o crescimento na carreira de Michael Jordan como para a marca esportiva - Fonte: Uol.com

Além da Nike, Jordan ajudou a promover a Gatorade. Em 1997, em um jogo histórico conhecido como “Flu game” (Jogo da gripe), o atleta que estava com 40ºC de febre, teve uma atuação brilhante anotando 38 dos 90 pontos feitos pela sua equipe e frequentemente ia ao banco de reservas se hidratar com o isotônico da marca. 15 anos depois a marca lançou uma propaganda “Win From Within” (“Ganhe de dentro”) que relembrou o feito, associando o desempenho da lenda naquela noite aos benefícios de seu produto.

Olhando para o futebol, Cristiano Ronaldo costuma dar bons retornos aos seus patrocinadores. O jogador é considerado uma das pessoas mais influentes, sendo a pessoa mais seguida do Instagram com mais de 300 milhões de seguidores. Desta forma, a Clear, Armani, Nike, Castrol, Tag Heuer e a PokerStars ganham bastante visibilidade em cima do craque.

Da mesma maneira que a sua influência pode beneficiar as marcas, ela acabou prejudicando a Coca-Cola na semana passada: em uma entrevista coletiva de apresentação da Seleção de Portugal na Eurocopa, o jogador português retirou duas garrafas de refrigerante de sua mesa e disse “Água, não Coca-Cola” gerando grande repercussão. Em seguida, na mesma competição, foi a vez do jogador francês, Paul Pogba, que retirou as garrafas de cervejas da Heineken.

Pogba segue gesto de CR7 e afasta garrafa de Heineken na mesa - Fonte: ValorEconômico.com

COCA COLA: FATOS INVERÍDICOS E VERÍDICOS ENVOLVENDO A POLÊMICA

A atitude de Cristiano Ronaldo na véspera do jogo contra a Hungria se tornou um dos assuntos mais discutidos durante a Eurocopa. Antes do início da coletiva de imprensa, o craque português afastou as garrafas de Coca-Cola, evidenciando a água ao seu lado e olhando com desprezo para os refrigerantes. Nesse contexto, algo muito curioso encabeçou as discussões nos últimos dias: qual seria a relação entre o gesto do craque português e a queda das ações da gigante do setor de bebidas?

Cristiano Ronaldo afasta garrafa de Coca-Cola - Fonte: Uol.com

O descenso de 1,6% na bolsa, o equivalente a aproximadamente US $4 bilhões, porém, não se deu predominantemente em razão da polêmica com CR7. De acordo com especialistas, a ocorrência da ligeira queda relaciona-se, principalmente, ao anúncio feito pela marca quanto à distribuição de dividendos. Além disso, é válido ressaltar que a companhia opera em desvalorização na bolsa há um tempo considerável.

Por outro lado, há debates a respeito de uma possível deterioração da imagem da Coca-Cola perante o mercado, em decorrência da viralização do acontecimento. É fato que o carro-chefe da empresa, o setor de refrigerantes, tem sido cada vez mais alvo de críticas à medida que as preocupações com a saúde aumentam na sociedade. Nesse sentido, visando diminuir o consumo de açúcar e outros ingredientes prejudiciais à saúde, há ações governamentais para desincentivar o consumo desses produtos, como o aumento da carga tributária sobre os mesmos.

Embora a atitude do “gajo” tenha dado o que falar, é preciso pontuar que as consequências práticas para a Coca-Cola não apresentam as mesmas proporções que chegou-se a imaginar. Cristiano certamente é um enorme símbolo do estilo de vida por ser um atleta exemplar, sempre com bons hábitos alimentares. No entanto, uma companhia dessa magnitude não teria sua imagem manchada após uma decisão que tenha sido feita em frente às câmeras, visto que o posto de marca mais consumida do mundo pertence à Coca-Cola há nove anos consecutivos e o ocorrido, certamente, não terá grande impacto nas 6 bilhões de vendas realizadas anualmente.

ATÉ QUE PONTO O ATLETA TEM LIBERDADE DE EXPRESSÃO?

Como afirmou o repórter americano H. L. Mecken “Para todo problema complexo existe uma solução simples, elegante e completamente errada”. Em relação a liberdade de posicionamento dos atletas no local de trabalho, essa máxima cai como uma luva. Em primeira análise, há que se levar em consideração as eventuais perdas e os danos a imagem que as agremiações esportivas e ligas correm o risco de sofrer em decorrência dos posicionamentos polêmicos dos atletas. Desta maneira, são justificados os esforços dos gestores dessas organizações para coibir tais práticas. Por outro lado, não dá para dissociar o ambiente esportivo do mundo em que ele está inserido. Acerca disso, o artigo 5 da constituição brasileira é claro: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”. Dessa forma, aos atletas que aqui residem a liberdade de expressão é assegurada conforme estabelecido na carta magna brasileira. Portanto, ficam patentes os principais questionamentos de cada uma das partes do conflito: Assim como qualquer trabalhador normal seria demitido por justa causa se desrespeitasse as normas da empresa em que trabalham, os atletas também não poderiam estar sujeitos a sanções ao fazê-lo? Estaríamos desrespeitando um dos pilares da constituição ao impedir que indivíduos de grande relevância social expressem suas opiniões?

Antes de qualquer conclusão precipitada, é necessário lembrar dos atletas que quebraram protocolos ao defender causas justas em meio a competições esportivas. O caso mais emblemático, foi a premiação dos atletas Tommie Smith e John Carlos, primeiro e terceiro colocados nos 200 metros rasos nos jogos olímpicos de 1968 sediados na Cidade do México, quando no momento da execução do hino nacional baixaram a cabeça e levantaram o braço com o punho fechado calçando luvas pretas. Aquela cena ainda se afirma como o momento mais marcante dos Jogos Olímpicos do México. O protesto inédito em um pódio olímpico alcançava o planeta e denunciava a segregação racial que marcava a política estadunidense que vitimara muitos dos que buscavam chamar a atenção para a ausência da igualdade anunciada em uma constituição. No entanto, esse ato de bravura não ficou impune, à época Smith e Carlos foram banidos dos jogos olímpicos pelo COI (Comitê Olímpico Internacional) e foram coagidos a abandonar o esporte.

Atualmente, o COI celebra aquele momento como um marco da luta pela igualdade racial, apesar de nunca ter prestado homenagens formais nem indenizado os atletas. Esse fato demonstra que as normas de cerceamento de liberdade de expressão dos atletas tendem a ter um lado obscuro, que inclusive podem estar ligados à defesa de regimes autoritários e segregacionistas. Tal fato pôde ser observado na recente polêmica envolvendo a NBA e o Governo chinês, em que a liga americana ameaçou banir qualquer atleta e gestor que criticasse o regime ditatorial Chinês depois que um dos executivos do Houston Rockets demonstrou seu apoio aos manifestantes que exigiam a autonomia de Hong Kong, provocando a ira dos membros da ditadura de Beijing.

Tommie Smith e John Carlos cerram os punhos em protesto contra a segregação social nos EUA, no pódio dos 200m nos jogos Olímpicos de 1968 - Fonte: Lance.com.br

Portanto, ainda que os patrocinadores e demais entidades detratoras do direito de manifestação dos atletas, não compactuem com tais práticas, coibi-las é contraproducente tanto em relação aos pilares básicos da democracia quanto em relação à luta por uma sociedade mais justa. Por conseguinte, em um cenário ideal, para que essas manifestações sejam passíveis de punição é necessário identificar algo grave na mensagem ligada a elas, como por exemplo o racismo e o antissemitismo. Portanto, o posicionamento do jogador Cristiano Ronaldo em uma coletiva de imprensa da Eurocopa, não pode ser caracterizado como um caso grave, a ser combatido. Nesse tipo de caso, ocorreu um problema minoritário que poderia ser contornado se as equipes de comunicação de ambas as partes tivessem se reunido de antemão

MARCAS NÃO ATRELADAS AO CENÁRIO DOS ESPORTES DEVEM PATROCINAR EVENTOS ESPORTIVOS?

Graças a essas polêmicas ocorridas recentemente tanto com a Coca-Cola quanto com a Heineken, fomentou-se o debate acerca do patrocínio de produtos não saudáveis para atletas e eventos esportivos.

Ambas as empresas envolvidas estão entre as maiores patrocinadoras da Eurocopa deste ano, principal campeonato de seleções do futebol europeu. Dessa maneira, naturalmente aparece o questionamento em relação ao patrocínio de empresas que produzem consumíveis de baixo teor nutricional a eventos com os maiores símbolos de profissionalismo ligados ao esporte, uma vez que é criado um paradigma para os clientes que se deparam com essa ambiguidade.

Por um lado, é evidente que a relação entre os atletas e as marcas é contraditória, haja vista que tais produtos possuem baixo valor nutricional e podem atrapalhar o rendimento dos jogadores quando consumidos em altas quantidades, sem falar ainda do caso das bebidas alcoólicas, em que os danos são ainda piores. O consumo exagerado de álcool pode trazer desidratação, afetando o reflexo e o raciocínio dos atletas a curto e a longo prazo. O vínculo é tido ainda como crítico do ponto de vista da saúde pública, uma vez que a aproximação entre alimentos e bebidas ultraprocessados — incluindo as bebidas alcoólicas — com o esporte pode gerar o entendimento de que esses produtos estão ligados a um bem-estar geral, como saúde, lazer e atividade física, fazendo com os níveis de consumo subam a níveis maiores que os recomendados e muitas doenças provenientes desse consumo desregulado apareçam e comprometam a população de um modo geral.

Contudo, há que se dizer que alguns argumentos podem ser favoráveis à causa das empresas que patrocinam os grandes eventos esportivos. A professora e coordenadora de Comunicação Social e Marketing da Universidade Federal do Ceará (UFC), Cláudia Buhamra, em seus estudos sobre a relação de patrocínio entre grandes empresas e eventos de grande magnitude, avalia que a relação entre as marcas de produtos não nutritivos e o esporte não irá prejudicar o atleta ou consumidor, caso ela seja transparente no objetivo do patrocínio. Isso se dá pelo fato de que o cenário negativo da relação das marcas com o esporte está mais associado ao que o público pode interpretar, caso o objetivo do patrocínio não seja claro.

“A pessoa que acompanha o atleta pode acabar achando que aquele produto pode ser saudável. Mas, atualmente, as pessoas têm tanto acesso à informação e são orientadas sobre o benefício de muitos produtos”

Cláudia Buharama

FONTES:

Coca-Cola é a marca mais consumida no mundo

Outros fatores influenciaram a queda das ações da Coca-Cola

A polêmica Cristiano Ronaldo e Coca-Cola

Asics e a Seleção Feminina de Vôlei

Neymar x Nike

A história trágica de Oscar Pistorius

O sucesso da linha Air Jordan

Gatorade e Michael Jordan

O protesto que marca a memória dos Jogos Olímpicos do México

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A FEA Sports Business é uma entidade universitária da FEA USP, que tem como objetivo fazer parte da mudança e da profissionalização da gestão esportiva no país.

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