O mercado Árabe de futebol
Questões e debates por trás da onda de contratações do futebol Árabe
por Breno Aravechia e Matias Prata
O futebol árabe vem se tornando pauta nos últimos messes por conta das expressivas contratações de jogadores para as ligas do golfo pérsico, principalmente a da Arábia Saudita. Existem diversas questões importantes a serem debatidas sobre esse tema, porém para possamos discutir essa movimentação do mercado de futebol precisamos entender dois tópicos extremamente importantes: A cultura e o surgimento do futebol no Mundo Árabe.
Questões culturais
No englobar cultural é notória a diferença de países persas em relação ao ocidente, porém algumas dessas práticas vem sendo muito discutidas ultimamente por, dentre diversos fatores, se caracterizarem por não caminhar em paralelo aos direitos humanos básicos.
Alguns exemplos dessas práticas e leis são:
- O método de regimento de parte desses países: a monarquia.
- A proibição de uso artefatos e práticas religiosas em público que não seja o islã. Apesar da liberação para que pessoas possam seguir suas religiões em sigilo, a regra faz com que todos sigam algumas práticas do islã obrigatoriamente, como o Hamadan.
- A proibição do consumo de álcool, que afasta turistas dos países muçulmanos.
- A tutela masculina, provavelmente o ponto de maior pauta quando se fala em direitos humanos em países árabes. Essa regra coloca filhos, pai, marido, irmãos como “tutor” da mulher, sendo assim, praticamente qualquer ato exercido por uma mulher depende da autorização de um homem.
- É extremamente proibido para os árabes a prática de atos homoafetivos, podendo levar a pena de morte em casos extremos. Essa punição em alguns casos acontece em praças públicas para servir de exemplo para a população.
- Existência de “Polícias da Moralidade”, para averiguar e fiscalizar essas e diversas outras regras, que nada mais são do que qualquer homem muçulmano, que pode tomar as atitudes que achar cabíveis para pessoas que estejam desobedecendo as leis e regras morais do país.
No entanto, assim como acontece em países da Europa e América, pessoas ricas e/ou influentes têm direito de passar por cima de leis. No golfo pérsico, são construídos condomínios que se assemelham mais à cidades onde a polícia da moralidade não se faz presente, além de Dubai que é a única exceção onde essas regras e culturas se fazem pouco presentes.
O futebol no Mundo Árabe
As primeiras aparições do futebol nos países árabes são datadas no início da década de 50 na Arábia Saudita e se espalhou pelo resto do golfo, tendo suas primeiras competições profissionais criadas nos anos 70 nos principais países árabes (Catar, Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos) e contou com um grande astro brasileiro para ajudar a divulgar o esporte, Rivellino, que jogou no Al-Hilal, hoje de Neymar, entre 1978 à 1981.
Apesar da expressividade praticamente nula, o futebol acabou se tornando o principal esporte em grande parte desses países. E com os grandes retornos financeiros derivados do futebol e percebidos em países por todo mundo, os árabes decidiram por se incluir nesse mercado no início desse século com a compra de times europeus, como Manchester City e Paris Saint-Germain (PSG), por exemplo.
Contudo, podemos tratar como um ponto de partida a tentativa da visibilidade árabe no futebol o ano de 2010, quando o Catar foi escolhido como sede da copa do mundo de 2022, na qual viria a se tornar a copa do mundo mais polêmica dos últimos tempos.
As polêmicas com a Copa do Mundo
Segundo uma coleção de matérias do The New York Times, um esquema entre executivos da FIFA e canais de televisão subornou dezenas de presidentes de confederações de futebol, incluindo o brasileiro Ricardo Teixeira, para votarem na candidatura do Catar, visando que a competição estivesse em um local vantajoso para os canais e que parte do valor fosse destinado à esses executivos que participaram do meio campo.
Dentre esses lugares considerados vantajosos, destacou-se o Catar, pois apesar de sua mísera tradição no futebol havia um plano de grande investimento no esporte e em infraestrutura para as transmissões. Tanto que, anos seguintes, houve um grande investimento na Qatar Sports, empresa dona do PSG, e em uma das maiores emissoras do oriente médio, a Bein Sports.
Em relação ao escândalo todo, a grande maioria dos envolvidos se viu afastada ou banida da FIFA, apesar de poucos enfrentarem processos criminais de fato. Após algum tempo, também foi descoberto que a sede da copa de 2018, Rússia, também estava nessa barca corrupta, porém as consequências midiáticas do evento de 2018 não se comparam às de 2022.
Protestos vindos de todas as partes do globo foram observados, como por exemplo a seleção dinamarquesa que “apagou” seu brasão da camisa por não querer ter sua imagem ligada à um país que não provém direitos iguais à todos. Outro protesto marcante foi o da seleção alemã, que entrou em campo com as letras das palavras “Human Rigths” e, depois de sofrerem punições da entidade máxima do futebol, passaram a tirar suas fotos antes das partidas com as mãos sobre a boca para mostrarem que estavam sendo silenciados. Além dessas manifestações, diversos jogadores e celebridades afirmaram que não iriam à copa, também em protesto pelas infrações de direitos humanos.
Apesar de todos os escândalos e protestos, a Copa do Mundo aconteceu sem grandes problemas e gerou dezenas de bilhões de reais em receitas para a FIFA e uma gigante visibilidade aos cataris, que fez ainda mais com que sua vizinha, Arábia Saudita, visse com bons olhos o mercado futebolístico.
O crescimento do interesse saudita no futebol
O sucesso da copa de 2022 para o Qatar aumentou o interesse da Árabia Saudita no futebol. O movimento Saudita foi “simples”, além da gigantesca injeção financeira em clubes europeus, houve também um grande investimento dentro da Arábia, com a intenção inicial de levar visibilidade e consequentemente a copa de 2030 para o país, ideia que foi abortada, mas pode aparecer em uma escolha de sede futura.
No entanto, a desistência da copa de 2030 não alterou em nada os investimentos do país em contratações de grandes jogadores, depois da porta aberta por Cristiano Ronaldo, ídolos mundiais cederam aos gordos salários oferecidos pelos clubes Sauditas como Benzema, Kante, Koulibaly, firmino, Neymar, entre outros diversos “craques”.
Essa investida bilionária Saudita ainda impulsionou países vizinhos à também contratarem nomes de peso como Iniesta, Allan e Pjanic nos Emirados Árabes e Giovanni, Roger Guedes e Verratti no Catar. Movimentos esses que com certeza vão adicionar um novo polo futebolístico ao mundo.
A origem do dinheiro
Os investimentos no futebol no mercado árabe provém, em sua maioria, de fundos públicos pertencentes aos países. O principal exemplo desse tipo de fundo é o Fundo Soberano da Arábia Saudita, conhecido pela compra do Newcastle e dos 4 principais times da país: Al-Nassr, Al-Ittihad, Al-Hilal e Al-Ahli.
Um fundo soberano corresponde a reserva financeira que um país tem para investir livremente. Seria uma espécie de “lucro” da nação, ou seja, o dinheiro que “sobra” com as vendas de commodities, privatizações, etc. Geralmente, a quantia desses fundos é muito maior do que de empresas e clubes e, por isso, em uma negociação pela compra de um jogador o fundo sempre terá a vantagem financeira.
Para se ter dimensão dos valores desses fundos não tem nada melhor do que comparar os números. O Fundo da Arábia Saudita é o quarto maior fundo soberano do mundo e possui aproximadamente US$ 400 bilhões. Outro fundo famoso no mundo do futebol é o do Qatar, que é atualmente dono do PSG, e possui US$ 70 bilhões na conta. Para efeito de comparação, o dono do Botafogo, John Textor, possui uma fortuna estimada em US$1,2 bilhão. Esses dados deixam clara a vantagem financeira que o Mercado Árabe possui hoje em relação ao resto do mundo, porém, em termos esportivos, eles ainda estão atrás na hora de negociar contratações.
A busca por atrativos além do financeiro
Atualmente, o foco dos países Árabes tem sido justamente ganhar outras vantagens, além da financeira, na hora de negociar a compra de jogadores. Não é fácil elevar o nível esportivo de um campeonato, mas a Árabia Saudita vem se esforçando fortemente para conseguir esse resultado através de contratações de estrelas do futebol europeu. Primeiro com a vinda do Cristiano Ronaldo, que acabou abrindo as portas para muitos outros jogadores seguirem esse caminho, e posteriormente com a compra do Neymar, que também aumenta os atrativos esportivos e midiáticos do campeonato.
Essa vontade de melhorar o campeonato esportivamente é refletida nos gastos com transferências da RSL (liga saudita):
- 21/22: 62,3 milhões de euros
- 22/23: 37,0 milhões de euros
- 23/24: 956,9 milhões de euros
É fato que o mundo árabe do futebol quer aumentar seu nível esportivo e os dados mostram que eles não tem se segurado financeiramente para ir atrás desse objetivo.
Outro fator importante que tem sido atrativo para alguns jogadores é a religiosidade desses países. Para jogadores como Benzema, Kanté, Mané, Koulibaly e Mendy, a fé muçulmana foi um fator decisivo na hora de escolher ir jogar na Arábia Saudita. Muitos deles sempre quiseram jogar em países muçulmanos e viram as ofertas da Arábia Saudita com bons olhos.
Sportswashing
Todo esse esforço do mercado Árabe em atrair grandes jogadores para seus campeonatos de futebol também está diretamente relacionado às elevadas denúncias de infrações de direitos humanos na região. Não é atoa que o termo “Sportswashing” tem sido cada vez mais utilizado, pois é parte do objetivo dos países ocultar as violações humanitárias através do sucesso futebolístico.
“Sportwashing” corresponde ao ato de tentar esconder ou mascarar situações geralmente políticas por meio do esporte. O termo, apesar de novo, pode ser encontrado desde 1936, quando Hitler promoveu as olimpíadas em Berlim para propagar seus ideais. Quando apresentados a cultura desses países, as novas relações com o futebol e o termo “Sportwashing”, não é difícil entender o porquê da copa do mundo de 2022 e as transferências de grandes jogadores para lá estarem acontecendo. Uma vez que seu país é sede de uma competição dessa dimensão ou seu campeonato local conta com grandes jogadores e duelos entre grandes times, a atenção da mídia às transgressões aos direitos humanos fica menor, melhorando a imagem da nação mundo afora.
Não à toa, como já citado anteriormente, a copa do mundo de 2022 envolveu muitas discussões políticas extra campo devido às inúmeras delações de infrações aos direitos humanos, tanto nas obras dos estádios quanto no dia a dia do país. Atletas como o meio campista alemão, Toni Kroos, se recusaram a ir à copa do mundo justamente pelos valores que estariam relativizando e menosprezando ao jogar em um país com tantas questões humanitárias.
Perspectivas para os próximos anos
O mundo futebolístico Árabe está envolto em diversas questões e incertezas em relação ao seu futuro. Não há dúvidas que os países estão interessados em virar um polo importante de futebol para o mundo e que irão continuar investindo grandes quantias de dinheiro em busca desse fim. O Fundo Soberano da Árabia Saudita já revelou que pretende, em menor escala, ajudar financeiramente outros clubes da liga além dos 4 recém comprados, justamente buscando elevar o padrão esportivo do campeonato e torná-lo mais atrativo para jogadores e patrocinadores.
Além disso, devemos ter cada vez mais jogos e campeonatos mundiais acontecendo em países árabes. Essa é uma tendência que vem acontecendo já há alguns anos, tanto com mundiais de clubes acontecendo na região como agora com a Copa do Mundo de 2022, que teve sede no Qatar, e que deve continuar crescendo nos próximos anos. A Árabia Saudita desistiu da candidatura de sede para a Copa de 2030, porém não deve desistir do sonho de sediar uma copa e deve vir como uma forte concorrente para as próximas eleições de sede.
Entretanto, é importante pontuar que juntamente a um possível crescimento do futebol no mundo árabe teremos uma maior discussão a respeito do Sportswashing e das infrações de direitos humanos que ocorrem na região. É muito provável que tenhamos jogadores, times e até mesmo seleções se manifestando ou até boicotando jogos e campeonatos no mundo Árabe.
É impossível dizer ao certo se esse recente crescimento do futebol Árabe é apenas um “boom” ou se teremos a consolidação de um novo polo no cenário mundial, apenas o tempo poderá responder esse questionamento.