O USO DO DIREITO DE IMAGEM DE JOGADORES DE FUTEBOL

FEA Sports Business
7 min readDec 6, 2020

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O FUNCIONAMENTO, COMPARAÇÕES COM OUTROS PAÍSES E CASOS ESPECÍFICOS DO USO DESSE DIREITO

Por: Eduardo Silveira, Gabriel Landim, Lucas Tury e Thomas Moriya

COMO FUNCIONAM OS CONTRATOS DE DIREITO DE IMAGEM DE JOGADORES DE FUTEBOL?

Tradicionalmente, entende-se que para um atleta se juntar a um clube e disputar competições, ele deve simplesmente receber um salário previamente acordado em contrato. Mas conforme o esporte passa a se envolver em um contexto mais midiático, as relações entre atletas e clubes passam a ficar mais complexas. Hoje os jogadores não são apenas peças táticas que servem à equipe somente com seu talento desportivo, mas também são produtos de parcerias comerciais e ações de marketing.

Nesse sentido, além de se vincular com o atleta pelo pacto laboral (de natureza trabalhista), o clube de futebol pode firmar um contrato civil para explorar a imagem do jogador em campanhas publicitárias, realizando pagamento em troca. Devido a isso, além de receber um salário, os clubes negociam com os atletas o chamado direitos de imagem.

Como definido pela Lei Pelé, o contrato de direito de imagem no Brasil é selado entre as partes (Clube e Jogador) e de forma independente ao contrato de trabalho esportivo.

DIFERENÇAS ENTRE O BRASIL E O RESTO DO MUNDO

A diferença do Brasil para outros países/ligas é que não temos uma associação de jogadores que faça parte da FIFPRO (Fédération Internationale des Associations de Footballeurs Professionnels), federação que negocia os direitos dessas associações diretamente com as desenvolvedoras de jogos eletrônicos de futebol. Tampouco temos uma solução como a da DFL (Deutsche Fußball Liga — liga alemã), que também não faz parte da FIFPRO, mas possui sistema unificado para a venda dos direitos de imagem.

A Lei n.º 9.615/98, de 24 de março de 1998 — Lei Pelé — prevê no art. 87-A: “O direito ao uso da imagem do atleta pode ser por ele cedido ou explorado, mediante ajuste contratual de natureza civil e com fixação de direitos, deveres e condições inconfundíveis com o contrato especial de trabalho desportivo”, ou seja, os direitos de imagem não possuem relação com o contrato de trabalho desportivo assinado pelos atletas com os clubes, assim a realização de uma das unificações mencionadas acima (FIFPRO ou sistema próprio) dependeria do acordo individual de cada um dos atletas com alguma associação, possivelmente a FENAPAF (Federação Nacional dos Atletas Profissionais de Futebol). E esta poderia se acertar diretamente com as desenvolvedoras de jogos, ou com a FIFPRO.

O USO EM JOGOS DE VIDEOGAME

O uso dos direitos de imagem em videogames é um tema que sempre gera muita polêmica e conflitos entre as partes. Recentemente Zlatan Ibrahimovic, atacante do Milan, questionou em suas redes sociais a desenvolvedora de jogos digitais EA Sports sobre o uso de seu nome e imagem nos games da franquia. Ainda acusou a empresa de lucrar com seu nome indevidamente, pois explicou que não concedeu autorização para a empresa ou para a FifPro. Em resposta ao site Eurogamer, a EA Sports afirmou que trabalha com muitos times, ligas e jogadores para garantir os direitos de incluí-los todos no jogo, com a finalidade de criar uma experiência autêntica ano após ano. A empresa ainda complementou em sua resposta: “Um dos relacionamentos mais longos é com a representante global de jogadores profissionais de futebol, FifPro, que faz parceria com vários licenciadores para negociar acordos que beneficiem atletas e seus sindicatos”. O maior problema é que o sueco afirmou em sua postagem que não estava ciente de que era membro do FifPro e que foi colocado lá sem seu conhecimento.

Após os questionamentos de Ibrahimovic em suas redes sociais, o galês Gareth Bale manifestou apoio ao sueco por meio de uma publicação e ainda questionou o que seria FifPro. Tanto Bale quanto Ibrahimovic usaram o termo “hora de investigar” após suas indagações nas redes, o que pode levar esse embate entre jogadores e a empresa de games para os meios judiciais. Caso isso aconteça, não será a primeira vez que a empresa terá problema nos tribunais devido ao uso indevido da imagem de jogadores em games da sua franquia. O caso da EA Sports com os jogadores brasileiros é antigo e a desenvolvedora já teve que indenizar em mais de R$ 20 milhões diversos jogadores que atuavam no Brasil e tiveram seu direito de imagem violado. Alguns dos processos que a empresa sofreu foram coletivos e organizados por sindicatos estaduais de atletas, como os de São Paulo e de Minas Gerais. Os jogos da EA Sports não possuem mais os jogadores do mundo real e sim jogadores genéricos criados pela empresa desde que esses problemas com a justiça brasileira começaram, para evitar futuras complicações, pois a indenização a atletas do Sindicato de Atletas de São Paulo pode aumentar para R$ 100 mil para cada jogador em caso de reincidência.

O especialista em direito civil e professor da USP Antônio Carlos Morato explicou em entrevista ao jornal Metrópoles que os direitos dos jogadores de aparecerem numa transmissão (seja qual for) são diferentes dos direitos desses jogadores de aparecerem num jogo de videogame. Quando o atleta entra em campo e aparece numa transmissão por qualquer meio trata-se de “direitos de arena”, porém quando o que está em questão é a exploração e lucro com a imagem do atleta trata-se de um direito “personalíssimo” e não faz parte do contrato assinado entre jogador e a instituição esportiva. Para o professor, o certo seria a EA Sports procurar os jogadores individualmente para realizar esses acordos, pois mesmo a empresa possuindo um acordo com o Milan, equipe de Ibrahimovic, ainda assim pode se complicar judicialmente devido ao uso da imagem do sueco em seus games. Caso não seja acertado diretamente com os jogadores, a única forma de evitar conflito é colocando jogadores genéricos não existentes no jogo, assim como a EA Sports faz com os jogadores brasileiros. O acordo para o clube aparecer licenciado no game, com uniforme e nome, não concede direito dos jogadores desse clube aparecerem, e vice-versa. Como há mais de um game de futebol, todos disputam esses direitos para tornar o jogo mais imersivo e real, porém isso acaba danificando a experiência do consumidor, que não consegue adquirir um “jogo completo”, com todos os times, jogadores e ligas presentes.

Escalação do Fluminense com jogadores genéricos. (Foto: Reprodução/FIFA)

CASOS JURÍDICOS ENVOLVENDO DIREITO DE IMAGEM

Devido à diferença jurídica entre o contrato de trabalho com os contratos de direito de imagem, é muito comum que os times façam manobras com ambos os tipos de contratos visando a diminuição dos impostos a serem pagos pelo clube. A manobra mais recorrente é a diminuição do salário do contrato de trabalho para os atletas, porém compensando essa diminuição ao aumentar o valor recebido no contrato de imagem.

Essa manobra pode ser realizada por conta da forma de pagamento de ambos os contratos, já que é necessário que o salário comum seja pago por meio da CLT, enquanto o direito de imagem pode ser remunerado através de uma conta de pessoa jurídica, livrando os clubes de vários encargos trabalhistas.

Graças a isso, é muito comum ver casos de atletas que recorrem à justiça para denunciar os clubes que manejam seus salários para reduzir os tributos, pedindo para que o direito de imagem entre também também na contabilização dos direitos trabalhistas.

Um exemplo disso é o caso do jogador Chico, que entrou na justiça com o clube Athletico Paranaense, clube onde jogou entre 2005 e 2010, para que seu direito de imagem fosse integrado aos valores de seu salário, alegando que o clube depositava parte de seu salário como PJ, com repasses entre 5 e 10 mil reais mensais. Nesta ocasião, o pedido foi reconhecido pelo Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região e também pela 7ª Turma do TST. Por outro lado, o clube recorreu à SDI-1, alegando que valores pgos por direito de imagem não tinham relação com o salário.

Outro exemplo é o caso do jogador Luizão, o ex-corinthiano recebia 40 mil reais pela CLT e 350 mil reais pelos direitos de imagem, devido a essa divisão apenas os impostos sob os R$ 40 mil da CLT eram recolhidos. Graças a isso a justiça considerou a existência de uma sonegação por conta dessa divisão intencional dos salários, indicando que parte do direito de imagem do jogador era um complemento do seu salário. Na ocasião, Luizão havia entrado com pedido de rescisão com o clube devido ao atraso no pagamento dos salários e no fim o Corinthians foi condenado a pagar os salários atrasados junto com os benefícios contidos na CLT.

FONTES

  1. https://www.metropoles.com/esportes/futebol/ibrahimovic-x-fifa-21-entenda-tudo-sobre-o-direito-de-imagens-dos-atletas
  2. https://joaofilipedesa.jusbrasil.com.br/artigos/346026888/direitos-de-imagem-de-atletas-no-games
  3. https://domtotal.com/noticia/1263018/2018/05/direito-de-imagem-em-jogos-eletronicos-pragmatismo-da-lei-x-importancia-da-relativizacao/
  4. https://sindicatodeatletas.com.br/noticias/juridico/uso-indevido-de-imagem-nos-jogos-eletronicos:-sindicato-de-atletas-sp-obtem-sentenca-favoravel-aos-atletas-.html
  5. https://www.techtudo.com.br/noticias/2019/09/fifa-20-traz-15-times-brasileiros-com-elencos-genericos-veja-a-lista.ghtml
  6. https://www.goal.com/br/not%C3%ADcias/direito-de-imagem-no-futebol-o-que-e-e-como-funciona/nhz9adq9j5tl16exh5v0k2z31
  7. https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/44219/direito-a-imagem-do-atleta-de-futebol
  8. https://www.conjur.com.br/2017-dez-07/direito-imagem-nao-integrado-salario-jogador-futebol
  9. https://leiemcampo.blogosfera.uol.com.br/2020/01/14/receita-aperta-o-cerco-a-atletas-por-uso-indevido-do-direito-de-imagem/
  10. https://www.conteudojuridico.com.br/consulta/artigos/54739/a-legislao-e-os-problemas-nos-direitos-contratuais-de-imagem-e-de-arena-dos-atletas-jogadores-de-futebol
  11. https://www1.folha.uol.com.br/fsp/esporte/fk0703200212.htm

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