OS ESPORTES E O REFLEXO DE UMA CULTURA ATRASADA
Histórico, casos recentes nos esportes (tradicionais e e-sports) e a postura das empresas e entidades envolvidas
Por Isabelly Menezes, Luan Freitas, Lucas Macedo, Matheus Jesus e Thiago Abe.
DESDE O PASSADO…
Os preconceitos e as discriminações podem ser percebidos em diferentes épocas e lugares. Ao ligar o rádio, a televisão ou navegar pela internet, não é incomum nos depararmos com notícias as quais relatam comportamentos violentos que ferem a condição humana de muitas maneiras. Tais atitudes foram parte marcante do percurso da humanidade, como se pode notar através dos livros e registros históricos (antissemitismo alemão durante a Segunda Guerra Mundial por exemplo). Por meio dessa percepção, fica claro como havia um grande desprezo à bandeiras importantíssimas, que atualmente são levantadas para a criação de uma sociedade mais justa e igual. Sendo assim, de que maneira é possível identificar tais comportamentos patológicos na atual sociedade, de forma a evitar que erros passados se repitam?
Para responder a essa pergunta, podemos destacar o papel do esporte, que por ser parte indissociável e intrínseca da sociedade como um todo, pode contribuir para identificarmos situações de manifestação do preconceito. Visto que por se tratar de um fenômeno cultural, ele transparece padrões de comportamento de sociedades e grupos que acabam refletindo tanto nos praticantes, quanto nos dirigentes, torcedores e na própria mídia especializada, podendo revelar comportamentos e pensamentos intolerantes enraizados.
Para que seja feito um parelho histórico das diferentes formas de preconceitos percebidos no esporte, há de se ressaltar os Jogos Olímpicos e sua edição de 1936. Dentre inúmeras demonstrações de comportamentos desrespeitosos que ocorram nesse período, vale destacar a performance de Jesse Owens frente ao regime Nazista, reconhecidamente marcado pela prática eugenista. Nesse evento, a Alemanha de Hitler fora designada como a nação-sede para a realização dos jogos, em Berlim. Diante dessa situação e ciente da dimensão internacional do evento, os representantes do Estado nazista não só buscavam a realização de um evento que promovesse o progresso do novo governo, mas também estabelecer na competição esportiva uma forma de tentar convencer o mundo a acreditar em sua fantasiosa crença de que seu povo era superior a todos. Os planos foram por água abaixo, pois Jesse Owens foi o mais veloz e conquistou o ouro.
“Era 1936. A Olimpíada. Os jogos de Hitler. Jesse Owens acabara de completar o revezamento 4 X 100 e conquistou sua quarta medalha de ouro. A história de que ele era subumano, por ser negro, e da recusa de Hitler a lhe apertar a mão foi alardeada pelo mundo afora. Até os alemães mais racistas ficaram admirados com os esforços de Owens, e a notícia de sua proeza vazou pelas brechas.”
ZUSAK, Markus. A menina que roubava livros.
A FALHA ESPORTIVA
Trazendo o tema aos tempos atuais, vale citar o esforço da jogadora de futebol Marta Vieira da Silva, conhecida também como apenas “Marta”, que, aos 35 anos, mais uma vez defende o direito de equiparação de patrocínios esportivos recebidos entre os diferentes gêneros no futebol. Sua história é marcada por gestos marcantes e potentes frente a atual disparidade contra a qual luta ativamente. Eleita seis vezes a melhor do mundo, ela havia recusado propostas de marcas esportivas por considerar os valores desproporcionais aos recebidos por atletas masculinos. Vale lembrar também que ao se tornar a maior artilheira da história das Copas do Mundo (entre homens e mulheres) em 2019, a brasileira mostrou ao mundo uma chuteira sem marca e patrocínio para um ser símbolo da luta pela igualdade de gênero e, mais recentemente, prometeu continuar a lutar nos Jogos Olímpicos de Tóquio.
Outro importante exemplo de intolerância no esporte a se destacar é o caso onde o lateral Daniel Alves foi alvo de racismo numa partida entre Barcelona e Villarreal. Um torcedor lançou uma banana no gramado para ofendê-lo, mas o jogador respondeu comendo a fruta. “Estou na Espanha há 11 anos e há 11 anos é dessa maneira. Temos de rir dessa gente atrasada”, disse o brasileiro. O caso, infelizmente, não é o primeiro ou último registrado nos esportes tradicionais. Assim como Daniel Alves, Roberto Carlos, o lendário lateral brasileiro e ídolo do Real Madrid, também foi insultado com uma banana jogada das arquibancadas quando jogou pelo Anzhi Makhachkala. Em ação pelo Campeonato Russo, porém, o ex-lateral esquerdo reagiu de maneira diferente e abandonou a partida entre Anzhi e Krylia Sovetov.
EXPANDINDO PARA O MEIO DIGITAL…
Apesar de muito presente nos esportes tradicionais, a presença do preconceito racial não se restringe a apenas esse meio. Nesse sentido, tornaram-se frequentes também casos de racismo contra jogadores profissionais de jogos eletrônicos, inseridos no cenário do e-sports.
Um exemplo de caso se refere ao ex-jogador Elvis “sir” Gomes, conhecido pela sua atuação no jogo Counter-Strike: Global Offensive. Em entrevista para o portal de notícias UOL, Elvis relembra que foi tratado de maneira distinta em relação aos demais jogadores, em um campeonato presencial em 2011: “eu senti que, por ser negro, eu ficava totalmente deslocado”. Além disso complementa: “(…) o pessoal tinha uma retração por eu estar ali”.
Outro caso de preconceito racial é relatado por Pedro “Sand” Trindade, atual treinador do time “Miners Academy” no cenário competitivo de “League of Legends”. Em 2017, o técnico relatou ter sido alvo de chacota no Facebook, após a publicação de fotos de sua participação em um torneio à época. Também em entrevista ao portal UOL, ele expõe: “foi por conta da aparência, principalmente, por eu ser gordo e preto”.
Os dois casos acima são apenas uma parcela dos diversos casos de preconceito que ocorrem no esporte eletrônico e nos jogos digitais em geral. Dessa forma, percebe-se a necessidade de maior atenção ao tema em relação a esse cenário.
POSTURA DE EMPRESAS E ENTIDADES ENVOLVIDAS
No ano de 2020, os EUA presenciaram uma onda de protesto após a morte de George Floyd, um homem negro morto violentamente pela policia. Nas principais ligas norte-americanas (NBA, NFL e MLB), sempre há uma presença significativa da população afro-americana, apesar do histórico racista inicial dessas competições. Logo, o que ocorre fora das quadras impacta esses jogadores, dado que, em 2015, cerca de 75% dos jogadores da NBA eram negros.
Dada essa estreita relação da NBA com a cultura negra, foi-se muito discutido se a temporada de 2020 deveria continuar sendo jogada, visto a busca por igualdade racial nos EUA e como uma forma de protestar contra a violência policial. No jogo de playoffs entre o Milwaukee Bucks e o Orlando Magic, os jogadores entraram em comum acordo para não jogar a partida até que as tensões se acalmassem e medidas fossem tomadas, após mais um norte americano ser morto violentamente pela polícia.
A postura da liga alinhou-se com a dos atletas, e não houve resistência por parte da direção. Na maioria dos jogos estava cunhada a frase “Black Lives Matter”, seja em uniformes, seja na quadra, e, além disso, a liga fez uma doação de 300 milhões de dólares para projetos relacionados à igualdade racial nos EUA.
Outro caso que mostra as diretrizes das ligas e dos clubes engajados com minorias foi o caso do pivô Meyers Leonard, do Miami Heat, que teve seu contrato suspenso após utilizar expressões antissemitas em um jogo online.
Já no Brasil, Infelizmente o racismo também está incrustado. Muitas das provocações de torcidas rivais têm uma origem preconceituosa, mas são tidas como comuns. As torcidas do Corinthians e Flamengo, conhecidas por serem torcidas de massa, são apelidadas de gambá e urubu, respectivamente. Contudo, o que poucas pessoas sabem, é que esses apelidos tem origem pejorativa. Para o primeiro, gambá surgiu por causa da proximidade do clube a marginal Tietê e sua relação com o mau cheiro do rio, que foi usado para associar a torcida que seria “imunda e fétida”, além das cores do gambá (preto e branco) remete ao uniforme do time. Já para o Flamengo, o apelido de urubu surgiu como forma de associar a torcida, em grande parte negra, ao urubu, de uma forma pejorativa. Porém, a torcida abraçou esse apelido e a usou como uma forma de empoderamento, o urubu virou símbolo do time carioca.
Com isso, podemos ver que casos de racismo no futebol são comuns desde sua origem. Segundo o Observatório da Discriminação Racial no Futebol, no ano 2017 foram resgistrados 44 casos de preconceito no futebol brasileiro e esse numero está longe de baixar, apesar de medidas tomadas pelas entidades.
No ano de 2014, o goleiro Aranha, jogador do Santos na época, foi chamado de macaco por inúmeros torcedores do Grêmio. O jogador mostrou sua indignação e pediu medidas contrárias a isso durante o jogo. Felizmente, os torcedores acusados foram punidos e o Grêmio acabou expulso da competição, mostrando uma mudança da mentalidade do futebol que não aceita mais casos desse tipo.
Outro caso que é muito comum nas torcidas de futebol, é gritar “bixa” (cantico homofóbico) quando o goleiro adversário cobra o tiro de meta. Contudo, como meio de não permitir casos como esse ocorram no futebol, a CBF mudou suas diretrizes e recomenda que o jogo seja parado e o time mandante seja punido com uma multa por causa dos gritos. Essas medidas têm por fim tornar os estádios um ambiente mais diverso e que minorias não sintam medo de frequentar esses locais.
Porém, assim como no futebol brasileiro, que já ocorre inumeros casos de discriminação, em regiões da europa a intolerância é tão ruim qunto. O caso do Daniel Alves citado anteriormente, não foi o único caso que causou indignação. No jogo entre Paris Saint-Germain e Istanbul Basaksehir, um membro da comissão técnica do clube turco foi vítima de racismo por parte do árbitro Sebastian Colțescu. Os jogadores de ambos os clubes concordaram em adiar a partida, a UEFA afastou os acusados e prometeu punições severas aos envolvidos.
Já foi demonstrado que o futebol não é um espaço acolhedor a minorias, apesar de avanços ao longo dos anos. Casos de machismo e assédio infelizmente são comuns no futebol brasileiro. O jogador de futebol Robinho, acusado de violência sexual na Itália, foi contratado pelo Santos no ano de 2020. Porém, houve uma repercussão negativa e várias marcas ameaçaram romper o contrato com o clube enquanto estivesse associado a imagem do jogador. Dado isso, além da pressão da torcida, o clube rescindiu o contrato com o jogador.
Outro caso midiático que veio à tona recentemente tem relação com o fim do contrato do camisa 10 da seleção brasileira Neymar com a Nike. Esse fim trouxe à tona algumas indagações, como “por que a Nike rompeu o contrato com um dos jogadores mais famosos do mundo?”. A resposta a essa pergunta está no fato de que o jogador foi acusado por assédio sexual e, após ser questionado e chamado para prestar esclarecimento, optou por não cooperar. Assim, esse caso demonstra uma evolução do apoio dado a vítimas em casos de assédio no esporte.
Portanto, é comum pensar que casos como esses citados (violência policial, racismo e assédio) estão se tornando mais comuns. Porém, esses casos sempre estiveram presentes no esporte, mas agora estão sendo expostos por conta de um apoio cada vez maior aos direitos de minorias, um grande suporte populacional e protestos de atletas. Logo, dado esse grande apoio, às empresas entram com um papel fundamental ao ameaçar cortar patrocínios, seja de atletas ou clubes, o que faz com que medidas sejam tomadas. Por fim, as entidades esportivas têm o dever de criar regras cada vez mais severas que impeçam casos como esses de ocorrerem, haja vista que estão incrustados na cultura dos esportes.
REFERÊNCIAS:
Aranha protesta contra ato de racismo na Arena: “Dói”
PSG e Istanbul abandonam campo acusando quarto árbitro de racismo
Patrocinadores pressionam o Santos por rescisão do contrato de Robinho
Nike diz que encerrou contrato com Neymar por caso de abuso sexual; atleta nega
Por que o Flamengo tem como mascote um Urubu?
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