“SIM, EU QUERO. SIM, EU POSSO”: A CONTÍNUA LUTA DAS MULHERES POR IGUALDADE NO ESPORTE

FEA Sports Business
8 min readJun 6, 2021

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Preconceitos, avanços e o atual cenário das mulheres no esporte e na gestão esportiva.

Por Isabelly Corrêa, Marcelly Marcolino e Mariana Santana.

PRECONCEITOS ARRAIGADOS

A história feminina está repleta de exclusão e preconceito desde os primórdios da sociedade. No cenário competitivo dos esportes, não foi diferente. Diversas gerações viveram uma realidade em que as mulheres eram consideradas inferiores. Somente a partir da luta e organização feminina em movimentos próprios é que se iniciou a uma modificação desse panorama, por meio da denúncia e do confronto perante essas construções sociais injustas.

Em 1894, as mulheres criaram o seu primeiro clube de futebol, em Londres. À frente delas estava Nettie Honeyball, ativista feminista responsável pela formação do British Ladies Football Club.

Em relação ao cenário brasileiro, o futebol feminino já é jogado há mais de 100 anos. Entretanto, foi legalizado há apenas 26 anos. Antes disso, acredite, o jogo era praticado de maneira escondida. Foi só no ano de 1983 que surgiram os primeiros times profissionais no Brasil: o Radar, no Rio de Janeiro e Saad, de São Paulo.

Time profissional feminino do EC Radar - Fonte: Vejario.abril.com

A luta feminina por igualdade se mantém forte e vem ganhando destaque ao longo dos anos. No caso da participação das mulheres nas Olimpíadas, a busca não foi diferente. Apesar do evento esportivo existir desde 1896, as competições femininas foram incluídas 30 anos depois. Além disso, as mulheres levaram 104 anos para serem 40,7% do número total de atletas a participar de uma edição dos Jogos Olímpicos.

Com o evento olímpico se aproximando, é fulcral destacar algumas pioneiras dentro do cenário esportivo que abriram caminho para uma busca por inclusão: a britânica Charlotte Cooper foi a primeira mulher a conquistar uma medalha de ouro no tênis (o feito ocorreu nos Jogos de Paris, em 1900). Por sua vez, a brasileira Aída dos Santos foi a única mulher da nossa delegação nos Jogos de Tóquio 1964, conquistando o inédito quarto lugar no salto em altura — ainda que tenha ido sem uniforme, tênis ou técnico.

Aida dos Santos com o diploma pelo quarto lugar em Tóquio - Fonte: Globo.com

Ademais, é essencial focalizar também as atletas em atividade que lutam pelo fomento à igualdade nos esportes. Em conjunto, e intimamente atrelado a isso, é importante abordar acerca das mulheres que buscam, cada vez mais, adentrar no ramo da gestão esportiva, apesar dos empecilhos e preconceitos as quais são duramente atingidas. Estes, que tardaram por muito tempo à entrada de excelentes profissionais nesse segmento de mercado, e infelizmente ainda atrapalham, como pode ser visto nos dados — de acordo com um levantamento feito pelo jornal Metrópoles em 2019, somente seis mulheres ocupavam, à época, funções com poder de decisão nos 128 clubes das quatro divisões do campeonato nacional de futebol.

Com tudo isso, é importante analisar os pequenos - mas consideráveis - passos que as mulheres no esporte têm conquistado. A luta continua…

CENÁRIO DO ESPORTE COMPETITIVO

Diante desses preconceitos e dificuldades existentes, fica claro que é extremamente difícil viver como uma atleta e quão importante foi a inserção das mulheres no cenário competitivo do esporte.

Hoje, o problema deixou de ser a exclusão das atletas de competições e modalidades e passou a ser a desigualdade de investimentos, salários, estruturas de treinamento, cuidados dentre outros. Por isso, é extremamente importante que as grandes atletas se posicionem em prol da igualdade de gênero e busquem influenciar as jovens a seguir na carreira.

Na ginástica, a Simone Biles é a mais recente atleta “querida pelo mundo”. A ginasta teve que superar vários preconceitos, pois foi abandonada por sua mãe biológica, sofreu racismo e, ainda, um abuso sexual. Apesar de tudo, aos 19 anos, Simone conquistou quatro ouros e um bronze nos Jogos Olímpicos de 2016. Após as vitórias, declarou: “Não sou o próximo Usain Bolt ou Michael Phelps, sou a primeira Simone Biles”. Nesse sentido, essa declaração reforça o antigo interesse da atleta em servir de inspiração às meninas tal como a própria foi motivada ao assistir às Olimpíadas quando criança.

Simone Biles em ação - Fonte: Todosnegrosdomundo.com

No atletismo, a velocista jamaicana Shelly-Ann Fraser-Pryce, bicampeã olímpica e mãe, também não se calou diante do machismo. Logo após ganhar a sua segunda medalha olímpica, Shelly-Ann declarou: “Aqui estou eu, quebrando barreiras e inspirando uma nação de mulheres a continuarem a sonhar. Acreditar que tudo é possível se você acredita, sabe?”.

Shelly-Ann Fraser-Pryce, bicampeã olímpica e mãe - Fonte: Olympics.com

Por sua vez, em 2019, a velocista Allyson Felix expôs a problemática do machismo, por parte das indústrias esportivas, com seus subsequentes impactos às atletas. Após engravidar e dar à luz a seu filho, Allyson recebeu uma drástica proposta de redução do valor do patrocínio pago pela Nike: “As negociações não foram nada bem. Embora acumule inúmeras vitórias, a Nike propôs me pagar 70% menos. Eles acham que eu valho menos agora”. Após a ampla repercussão acarretada por essa exposição, a marca esportiva se comprometeu a mudar sua política de maternidade.

Alysson Felix e suas medalhas conquistadas - Fonte: Hypeness.com

Já em reação ao futebol brasileiro, as jogadoras Marta e Formiga, principalmente, fizeram a Seleção Brasileira feminina ser mais conhecida e prestigiada pelo povo. Ambas as atletas viraram referência para todas as meninas que sonham um dia seguir a mesma carreira. Desde o início deste século, as jogadoras nunca deixaram de se posicionar e usar da sua visibilidade (ainda que menor se comparada com atletas do futebol masculino) para problematizar a falta de investimento e reconhecimentos das mulheres no futebol. Uma das principais conquistas recentes foi a equiparação dos salários da Seleção Brasileira feminina e masculina, em 2020.

Apesar de tardia, a decisão mostra uma evolução extremamente importante socialmente, não só no Brasil, como no mundo, visto que a desigualdade de salários é extremamente alta. Por exemplo, ao compararmos os vencedores da bola de ouro de 2018, Ada Hegerberg e Lionel Messi, concluímos que o Messi ganha 325 vezes a mais do que a jogadora.

Em uma carta, que redigiu a si mesma quando tinha 14 anos, Marta escreveu: “Lute contra o preconceito. Lute contra a falta de apoio. Lute contra tudo isso - os meninos, as pessoas que dizem que você não pode.” e “[…] isso será apenas o começo, porque você vai ser parte de algo maior. Você vai fazer parte da mudança do futebol feminino. De mostrar para outras meninas que sentiram que não pertenciam, que elas, sim, pertencem”.

Marta e Formiga atuando pela seleção brasileira feminina - Fonte: Amazonasatual.com

MULHERES NA GESTÃO ESPORTIVA

Mas o esporte não consiste apenas no que acontece dentro dos gramados, quadras e afins. É importante destacar também a influência dos gestores, os quais garantem que o espetáculo aconteça de forma ordenada e eficiente. Nesse sentido, a desigualdade de gênero no mercado de trabalho de gestão esportiva, aliada à desvalorização feminina nesta área, mostram-se como pontos relevantes a serem considerados.

A princípio, vale ressaltar que o mercado esportivo, infelizmente, reflete uma tendência geral do mundo corporativo. De acordo com uma pesquisa feita pela Bain & Company, em parceria com o LinkedIn, somente 3% dos líderes empresariais das 250 maiores empresas brasileiras são mulheres. Além disso, há uma divergência de 82% das mulheres e 66% dos homens em relação à opinião sobre se a busca pela igualdade de gênero deveria ser uma das cinco principais prioridades para as companhias.

Ainda assim, no mundo do esporte, a resistência à entrada de mulheres é um desafio ainda maior, principalmente devido à construção social de que determinados esportes, como o futebol, devem ser preocupações “masculinas”.

Segundo dados de 2020 do Futebol Interativo, atualmente os homens ocupam 95% dos cargos de gestão dos clubes brasileiros, 92% dos cargos das federações e mais de 80% dos cargos de comissão técnica. Além disso, como o Globo Esporte informou em uma matéria veiculada no painel “Pacto pelo Esporte” , evento virtual que abordou justamente a importância das mulheres na gestão esportiva, das 35 entidades olímpicas filiadas ao Comitê Olímpico do Brasil (COB), apenas uma entidade tem uma mulher na presidência, o que significa 3% do total. Há também seis mulheres no cargo de vice-presidente, o que representa 17% da totalidade. Além disso, apenas 20 entidades olímpicas filiadas ao COB possuem cargos de CEO, dos quais somente três são preenchidos por mulheres (15% do total). Já em relação ao Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), a matéria ainda levanta que não há mulheres na presidência das 11 organizações filiadas.

Apesar dos números com diferenças gritantes entre homens e mulheres, influenciados pelos diversos impeditivos históricos para as mulheres, tanto no esporte, quanto no mundo corporativo, é essencial frisar que o assunto está sendo cada vez mais debatido no meio e, por meio de muita resiliência, as mulheres estão conseguindo ocupar os espaços que merecem. Com isso, fazem a diferença nos cargos que alcançam, trazendo uma visão não apenas concentrada para a perspectiva masculina heteronormativa. Aline Pellegrino, que se tornou Coordenadora de Competições Femininas da CBF ano passado, é um exemplo desse avanço no esporte que, apesar das dificuldades, só tem mostrado resultados positivos.

Aline Pelegrino, a nova Coordenadora de Competições Femininas da CBF - Fontes: CBF.com

Fontes:

“Gênero, Mulheres e Esporte”

Feminismos, mulheres e esportes: questões epistemológicas sobre o fazer historiográfico

Esporte, mulheres e masculinidades

Tudo sobre mulheres no esporte

Aida dos Santos, a mulher que o pódio não pôde suportar

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A FEA Sports Business é uma entidade universitária da FEA USP, que tem como objetivo fazer parte da mudança e da profissionalização da gestão esportiva no país.

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