Skate: um estilo de vida que virou modalidade olímpica
A FEA Sports Business analisou a história dessa modalidade que fez tanto sucesso nos Jogos Olímpicos recentes e trouxe alguns pontos curiosos, atletas importantes na modalidade e como esse esporte impactou na cultura, no modo de se expressar e se vestir da sociedade mundial.
Por Vitor Vieira dos Santos
História do Skate
O skate surgiu na Califórnia, nos Estados Unidos, no final da década de 1940 e início dos anos 1950. O mais curioso do surgimento desse esporte é que a criação dele está diretamente ligada a outra modalidade bem famosa: o Surf. Há relatos que durante algumas temporadas de surf, as ondas da costa californiana não estavam tão propícias para a prática do esporte, com isso, muitos surfistas ficaram parados e sem praticar algum tipo de esporte. Surgiu então a ideia de pegar as pranchas de surf e colocar rodinhas de metal embaixo delas para “surfar” no asfalto, simulando manobras nas ruas e calçadas norte-americanas. No início de tudo, era apenas uma brincadeira entre os surfistas, algo bem rudimentar, visto que as pranchas eram enormes e as rodinhas não eram proporcionais, devido à essa falta de qualidade dos materiais usados, o Skateboard, nome original da modalidade, era bem perigoso nos primórdios, o equilíbrio em cima da prancha era algo bem difícil, as rodinhas não tinham a tração ideal com o asfalto, o que gerava inúmeros acidentes, e também não eram tão resistentes. Com o passar do tempo, a modalidade foi avançando, assim como a ciência também ia, portanto os materiais utilizados na confecção dos skates melhoraram. Em 1971, o engenheiro químico Frank Nashworthy criou as rodinhas de uretano, um composto que possibilitava a confecção de materiais mais silenciosos e que tracionavam melhor em contato com o asfalto. Outros avanços em relação à construção do skate, foi a melhora da fabricação do shape, prancha de madeira onde as rodinhas são fixadas, gerando uma prancha mais resistente às quedas e impactos gerados nas manobras e a introdução do nose e tail, inclinações na frente e atrás do skate respectivamente, com isso, surgiram manobras mais difíceis de realizar e que demandavam mais estabilidade e controle do skate por parte do skatista.
A história do Skate desde o seu começo é bem curiosa e interessante, desde os primórdios esteve ligada ao Surf e a modalidade só se manteve viva devido a acontecimentos pontuais, como avanços na engenharia de materiais e um evento bem curioso: a falta de água no estado da Califórnia na década de 1980. Já se tinha ciência da construção de pistas de skate vertical, mas até então, o forte da modalidade era a prática na horizontal, em ruas e pistas desenvolvidas para manobras, mas com a falta de água nos EUA nos anos 80, muitas casas não tinham como encher suas piscinas, com isso, os skatistas aproveitavam essas estruturas e começaram a realizar manobras dentro delas, surgiu assim, os bowls, em tradução livre do inglês, tigelas. Essas novas pistas levaram esse nome devido à similaridade com o formato de tigelas, sendo mais arredondadas e profundas. Com essa nova prática, houve a consolidação do skate vertical e o surgimento de novas manobras.
A modalidade nos Jogos Olímpicos
O Skate foi introduzido no calendário do COI (Comitê Olímpico Internacional) nas Olimpíadas de Tóquio em 2020, com o intuito de trazer mais jovens para o cenário olímpico, tanto na prática dos jogos, quanto na audiência. A modalidade é dividida em duas vertentes durante as Olimpíadas, o Skate Street e Skate Park, ambos sendo competidos pelo masculino e feminino. A modalidade Street é disputada em um circuito que simula uma rua, com obstáculos urbanos, como corrimões, rampas e degraus. É uma tentativa de praticar o esporte em um ambiente parecido com o qual se originou, as ruas. Os atletas executam uma série de manobras e são julgados pela forma como controlam o skate durante duas corridas de 45 segundos e cinco manobras que realizam. Em cada rodada, a corrida com a maior pontuação e as duas manobras mais bem avaliadas são somadas e resultam na pontuação final do atleta. O Skate Park é disputado em uma pista simulando um parque de manobras, onde contém diversas curvas e bowls, que o skatista utiliza para pegar velocidades e realizar diferentes manobras no ar. Essa modalidade contempla o skate vertical, na qual o esportista faz uso das paredes das piscinas, o bowl. Os skatistas são julgados pela altura e velocidade das manobras que realizam durante os saltos, além da capacidade de usar toda a superfície e os obstáculos. Eles realizam três apresentações de 45 segundos, com a melhor das três contando como a pontuação final da rodada.
A inserção do Skate no calendário olímpico foi muito importante para a visibilidade e também uma certa “aceitação” da sociedade num geral com o esporte. Muitos skatistas citam que o skate é um lifestyle, um estilo de vida, muito mais que um mero esporte praticado sobre rodinhas. Com os Jogos Olímpicos, o mundo pôde ver não somente a prática da modalidade, mas também esse estilo de vida, que se baseia na irmandade, liberdade e amor.
Time Brasil
O Brasil é um verdadeiro celeiro de talentos no Skate, possui uma geração muito vitoriosa com Leticia Bufoni e Kelvin Hoefler, detentor da medalha de prata em Tóquio 2020, e também uma nova safra que tem grandes prodígios, como a Rayssa Leal, medalhista mais jovem da história olímpica brasileira, que conquistou medalha nos Jogos Olímpicos de Tóquio 2020 e de Paris 2024. Além dessa nova onda de talentos, o Brasil antes mesmo da inserção do skate no calendário oficial do COI, já era uma grande potência no esporte, com nomes já consolidados no cenário mundial, como Bob Burnquist, Sandro Dias, Pedro Barros e Letícia Bufoni que ajudaram a trazer e disseminar a cultura do skate em solos brasileiros. A Bufoni foi muito importante na inserção e aceitação das mulheres na modalidade, ela é vista por muitos como a melhor e principal skatista mulher, não somente pelas suas conquistas de títulos mundiais, mas também por toda luta e visibilidade que ela trouxe consigo durante toda sua carreira.
No Skate Park, o Brasil também é muito bem representado pelo medalhista de Tóquio 2020, Pedro Barros, e pelo atual medalhista de bronze em Paris 2024, Augusto Akio. O país é considerado uma potência no esporte justamente por conseguir mesclar tamanha experiência de nomes já consolidados com jovens prodígios que ainda possuem muitos anos de carreira por vir na modalidade, o que traz esperança para o Brasil na conquista de mais medalhas nos próximos Jogos Olímpicos.
Importância do Skate na cultura street
O skate desde os seus primórdios foi muito marginalizado e seus praticantes sofreram com muito preconceito da sociedade. Os skatistas eram vistos como “vagabundos”, que depredavam equipamentos públicos e faziam baderna em grupo nas ruas, uma visão totalmente deturpada da essência do skateboard, na qual sempre se prezou pela paz, amor, liberdade e irmandade. Em algumas localidades a prática do skate chegou a ser proibida, como em São Paulo em 1988 pelo então prefeito da cidade Jânio Quadros. Na Noruega também houve uma proibição do esporte por mais de dez anos com a justificativa de ser muito perigoso para as crianças.
Durante os anos 1960 e 1970, a modalidade já contava com alguns pequenos campeonatos nos EUA, mas se difundiu de vez quando começou a fazer parte de movimentos da contracultura em diversas cidades norte-americanas. Nos anos 1980 e 90, com o surgimento da MTV, videoclipes de músicas com skatistas nas cenas começaram a ser transmitidos pelo mundo todo, com isso, houve uma maior popularização do esporte além dos EUA. O skate sempre esteve muito ligado à cultura, seja pela arte e música, ou pela força de expressão que o esporte desempenhava entre seus praticantes dentro da sociedade. A modalidade foi ganhando força também dentro da mídia televisiva, a ESPN, rede esportiva de televisão começou a produzir e televisionar o X-Games, uma espécie de olimpíadas dos esportes radicais, com tal evento, skatistas começaram a ser reconhecidos como esportistas e o skate foi ganhando espaço na sociedade e sendo tratado como modalidade esportiva.
Com tamanha visibilidade e importância, empresas de diversos setores começaram a olhar com mais carinho pro Skate, principalmente marcas do setor de moda e vestuário. Na década de 1990, diversas marcas famosas iniciaram linhas de streetwear focadas no skate, como a Nike, que criou a Nike SB, a Adidas, com a Adidas Skateboarding e a Puma. Hoje em dias há diversas marcas focadas no streetwear, desenvolvendo novas tecnologias para confecção de materiais mais resistentes nos tênis e camisas utilizadas na prática do esporte. A Nike realiza diversas collabs, colaborações com skatistas famosos para elaboração e assinatura de novos modelos de tênis da sua linha Nike SB, voltada à moda street, como por exemplo o Nike SB Dunk Low Rayssa Leal, modelo desenvolvido especialmente para a skatista brasileira. Ainda há outros famosos e importantes esportistas que possuem seu próprio calçado dentro da marca, como o skatista Nyjah Huston e Stefan Janoski, com seu icônico modelo Nike SB Janoski.
Os skatistas sempre carregaram o estereótipo de desleixados e mal vestidos por usarem camisas largas, jeans desbotados, calças cargo e tênis, porém foi com esse visual que a modalidade marcou sua identidade no mundo da moda e influenciou esse setor a investir no ramo de streetwear, vertente essa, que é uma das mais procuradas hoje no mercado de vestuário. Segundo um estudo do BCG e Altagamma, estima-se que até 2025, 45% do público de marcas de luxo seja composto pela gerações Y e Z, com isso, diversas grifes já olham com atenção para essa tendência e já estão desenvolvendo collabs entre si para atender tal demanda.
O esporte também exerce grande influência na cultura urbana, com o grafite e pichações em muros pelas cidades mundo afora, expressando a identidade de skatistas e seu lifestyle. O skate tem uma ligação muito forte com a parte musical, sofrendo e exercendo influência em certos gêneros musicais, como o punk rock, hip-hop, rap, indie e emo que pegaram carona na popularidade do esporte para se consolidarem no cenário musical street alternativo. Uma banda bem famosa no cenário do rock brasileiro foi o Charlie Brown Jr., que no final dos anos 90 e início dos anos 2000 se consolidou como principal expoente desse gênero. O vocalista Chorão, era um skatista e a pura personificação de um praticante do esporte, se vestia com roupas largas, tinha temperamento forte e era visto por muitos como uma pessoa rebelde e destemida. O próprio vocalista dizia se orgulhar por praticar a modalidade e citava que o esporte o proporcionou conhecer seus amigos e companheiros de banda e lhe ensinou vários valores que ele levava para a vida, evidenciando o forte elo que o Skate e a música possuem na sociedade, tratando o esporte não somente como uma atividade mas também como um verdadeiro estilo de vida a ser seguido e propagado.
Referências
https://skateboarding.com.br/index.php/skateboard/historia-do-skate1.html
https://olympics.com/pt/paris-2024/esportes/skateboarding
https://super.abril.com.br/cultura/o-pais-europeu-que-proibiu-o-skate-por-mais-de-dez-anos
https://elle.com.br/moda/como-o-streetwear-tomou-conta-do-mercado-de-luxo