Taekwondo: Muito mais que um esporte olímpico.
A FEA Sports Business abordou a história e origem do taekwondo inicialmente como uma arte marcial e manifestação cultural surgida na Coreia até sua institucionalização como um esporte e, mais tarde, sua validação como esporte olímpico pelo COI.
Por Eduardo Rosa Cravo
História e Origem
As lutas corporais representam muito mais do que apenas forma de autodefesa, sendo uma forma de expressão do corpo humano e refletindo em seus movimentos uma filosofia de vida e até mesmo traços culturais do seu local de origem. Nesse sentido, para falarmos da origem do Taekwondo, é preciso retomarmos o passado e analisar um certo período histórico da Coreia. Entre 57a.C e 668d.C, é constituído o Período dos Três Reinos na antiga Coreia, que foi dominado pelos três reinos de Baekje (백제), Goguryeo (고구려) e Silla (신라). Esses reinos foram formados a partir da junção de grupos locais, que foram se fortalecendo e formando cidades fortificadas com entidades políticas próprias. Nesse contexto, Silla, o menor e mais fragilizado reino, era vítima constantemente de diversos ataques dos outros reinos, por isso, o rei Ching Heung, da 24ª dinastia Silla, formou um grupo de combatentes de elite especializados em combates corporais com a intenção de defender o território.
Esse conjunto de combatentes denominado Hwarang-Do formado por uma elite de jovens guerreiros, que cultivavam valores como a lealdade, a honra e habilidades marciais, foi essencial para a defesa e manutenção da ordem no reino ao longo dos anos. Além disso, os códigos de honra desse grupo refletiam traços importantes da cultura e sociedade coreana, como o respeito aos pais, nunca recuar diante de um inimigo e matar somente em última instância. A arte marcial praticada por esses indivíduos era chamada de Taekkyon e destacava-se pela sua eficácia técnica, mas também por ser uma prática que aliava a habilidade física com o crescimento moral e espiritual. Essa manifestação cultural foi se desenvolvendo e sendo difundida de geração em geração, juntamente com a sua filosofia e valores morais, como a lealdade e a honra. Por fim, desse estilo de luta encontram-se as primeiras raízes do Taekwondo atual,compartilhando movimentos e preceitos morais em comum e servindo como uma das bases para a formação do Taekwondo como uma forma de luta.
Com o passar do tempo, a difusão do Taekkyon entre as gerações e a absorção de práticas oriundas de outras lutas orientais fez com que esse estilo de luta se diversificasse e evoluísse. No entanto, essa evolução foi freada quando o Japão imperialista invadiu a Coreia em 1909 e a transformou em uma de suas colônias. Dessa forma, durante a ocupação japonesa no país, entre 1909 e 1945, todas as formas de lutas coreanas, como o Taekkyon, foram proibidas. Somente após a libertação da Coreia em 1945, que essas artes marciais foram retomadas, o que culminou na formação, de fato, do Taekwondo como conhecemos hoje. A formalização do termo Taekwondo ocorreu em 1955 quando o general Choi Hong-Hi uniu diferentes escolas de artes marciais em uma única forma de luta, batizada de Taekwondo, que significa “o caminho dos pés e das mãos”.
Desenvolvimento como esporte e Regras
O primeiro exemplo da transformação dessa arte marcial e manifestação cultural coreana em esporte foi o primeiro campeonato nacional de taekwondo realizado em 1964 na Coreia com a participação de mais de 200 atletas. Nesse processo de consolidação da prática como um esporte, o governo sul-coreano teve papel fundamental, na medida que o promoveu como uma representação da cultura e identidade coreana. O que é observável pelos valores morais e filosóficos em comum entre o Taekwondo e a cultura coreana, vide a disciplina, o respeito e a justiça.
Outro momento marcante para a consolidação do taekwondo como prática esportiva foi a fundação da ITF (Federação Internacional de Taekwondo) pelo General Choi Hong-Hi, fundador do taekwondo, em 1966. Essa organização foi criada com o intuito de promover uma padronização das técnicas do Taekwondo — algo essencial para sua transformação como esporte — unificando os diferentes estilos e práticas existentes, além de auxiliar na sua disseminação ao redor do mundo e corroborar para tornar, no futuro, o Taekwondo uma prática global. Dessa forma, a influência da ITF contribuiu para a globalização dessa prática, ganhando cada vez mais reconhecimento à medida que se expandia para novos países.
Já a década de 70 foi um período crucial para a internacionalização em peso do taekwondo. Inicialmente, em 1973, houve a realização do primeiro Campeonato Mundial de Taekwondo em Seul, na Coreia do Sul, esse evento atraiu diversos participantes de inúmeros países e foi importantíssimo para a divulgação internacional do Taekwondo. Essa competição alçou o esporte a novos patamares e possibilitou uma forte presença em outros países, além de demonstrar a seriedade que o país anfitrião tinha com a modalidade e, de fato, o encarava como um símbolo nacional. Portanto, a década de 70 marcou a transição do Taekwondo de uma prática tradicional coreana para um esporte internacional, reconhecido e respeitado mundialmente. O que foi fundamental para ampliar o número de praticantes e pavimentar o caminho para o reconhecimento do taekwondo como esporte olímpico nos anos seguintes.
Quanto às regras do Taekwondo, elas são estruturas a fim de garantir a segurança e a justiça nos embates dentro das competições. Na luta, são permitidos socos e chutes, entretanto, os socos só podem ser direcionados ao tronco do adversário, enquanto os chutes não podem atingir a área abaixo da cintura do oponente. O local de combate é um tatame, geralmente, com 8x8 metros de área. Além disso, ambos os atletas devem estar utilizando o equipamento de proteção, que envolve: capacete, protetores bucais, luvas e colete. O combate é dividido em três rounds de dois minutos, nos quais os atletas somam pontos ao acertar chutes e socos em áreas permitidas do corpo do adversário, incluindo a cabeça. O sistema de pontuação é eletrônico, visando maximizar a precisão e a justiça em batalhas, utilizando sensores localizados no equipamento dos atletas e com o passar do tempo, a evolução tecnológica fez com que os equipamentos fossem cada vez mais precisos e passassem por constante mudança. Assim, ao final da batalha, o vencedor é o competidor que acumular mais pontos ao final dos três rounds, outras opções são a vitória por nocaute, ou por golden point quando há um empate na pontuação após os três rounds.
Trajetória nas olímpiadas
Ainda no ano de 1973, foi criado a WTF (Federação Mundial de Taekwondo), que tinha como objetivo principal transformar o taekwondo em um esporte olímpico. Dois anos após sua criação, em 1975, a WTF foi reconhecida pelo COI (Comitê Olímpico Internacional), sendo um marco do início da aceitação do Taekwondo como esporte olímpico. Assim, ao longo dos anos, a WTF buscou incessantemente a entrada do esporte nas Olimpíadas, usando como justificativa a popularidade e internacionalização dessa prática, assim como o fato de ser um elemento que complementava o ideal olímpico, de ênfase na ética e na disciplina. Esses esforços culminaram para que nas Olimpíadas de 1988 realizadas em Seul, na Coreia do Sul, país responsável pela criação do esporte, a arte marcial coreana fosse finalmente incluída como um esporte de exibição. Após isso, foi esporte de exibição em Barcelona, em 1992, novamente, mas ficou fora da programação olímpica na edição seguinte, em 1996.
A inclusão de forma oficial do Taekwondo no programa olímpico ocorreu em 1994, quando o COI definiu que o esporte estaria presente nas Olimpíadas de Sydney, em 2000. Essa decisão foi muito comemorada pela comunidade internacional praticante do esporte e derivou do árduo trabalho da WTF e da ITF de institucionalizar o Taekwondo como um esporte reconhecido no mundo todo de uma vez por todas. No entanto, essa conquista também é dos milhares de praticantes que semearam essa atividade, como luta e manifestação cultural por mais de 1000 anos, desde o início com os guerreiros do Hwarang-Do até o presente. Essas pessoas foram vitais para a construção de uma identidade nacional coreana e da formação de uma arte marcial praticada em todo o planeta por milhões de pessoas, que veio a se tornar uma modalidade presente nas Olimpíadas.
As Olimpíadas de Sydney foram um marco histórico e simbólico por ser a primeira edição em que a modalidade estava presente, tornando, finalmente, o sonho em realidade de diversos praticantes da arte marcial ao redor do mundo. A competição foi dividida em 4 categorias de peso para homens e 4 categorias de peso para mulheres, cada categoria contendo 16 atletas que haviam se classificado por meio de campeonatos mundiais e regionais. Com a participação de atletas de 51 países diferentes, o país que mais se destacou, como esperado, foi a Coreia do Sul, conquistando 3 medalhas de ouro e 1 medalha de prata. Um dos destaques dessa edição foi o atleta Kim Kyong-Hun, que conquistou a medalha de ouro na categoria masculina até 80Kg. O coreano já se destacou nas lutas preliminares, mostrando domínio técnico pleno e uma força expressiva, até avançar para a final, na qual venceu o nigeriano Emmanuel Oghenejobo por um placar apertado e garantiu a medalha de ouro para si e para seu país. A sua vitória foi uma representação do contínuo esforço coreano em promover o Taekwondo globalmente e torná-lo uma modalidade olímpica, sendo traduzido em sucesso.
Nas edições seguintes dos jogos olímpicos, o Taekwondo se solidificou de vez como um esporte olímpico, estando presente em todas, mantendo seu formato original e apenas incorporando as inovações tecnológicas no esporte. Um dos grandes nomes de destaque nessas edições foi Steven López, atleta estadunidense, que faturou um ouro já na primeira edição em 2000 na categoria até 68Kg e depois, em 2004, conquistou o ouro, mas ,dessa vez, na categoria até 80Kg. Isso exemplifica a globalização do esporte e mostra que a Coreia, apesar de ser responsável por criar essa luta, não foi capaz de monopolizar suas conquistas, o que torna o evento muito mais inesperado e emocionante. Outro exemplo dessa disseminação global da modalidade é a britânica Jade Jones, que é bicampeã olímpica, sendo ouro na categoria até 57Kg nas edições de 2012 e 2016.
Por fim, a última edição dos jogos olímpicos realizada em agosto de 2024 na cidade de Paris nos reservou mais uma vez diversas lutas emocionantes e, principalmente, histórias de superação. Num panorama geral, a Coreia do Sul foi capaz de recuperar seu protagonismo na modalidade, após não ter conquistado nenhum ouro em Tóquio na edição anterior. Liderando o quadro de medalhas, sendo o único país a conquistar 2 ouros e faturando também 1 bronze, a atleta Kim Yu Jin e o atleta Park-Tae-Joon foram os responsáveis pelas conquistas das medalhas de ouro. É válido ressaltar que o país tem também a liderança histórica da competição com 14 medalhas de ouro, 7 a mais que a segunda colocada China. Apesar disso, os resultados deste ano e de anos anteriores mostram que, cada vez mais, novos países vêm conquistando seu espaço na modalidade, elevando a competitividade do esporte e expandindo os horizontes do esporte.
Um dos exemplos dessa pluralidade de conquistas dentro da modalidade é de Edivaldo Pontes, paraibano de 26 anos, que conquistou uma medalha de bronze nos Jogos de Paris. Também apelidado de “Netinho”, o taekwondista destaca-se como um dos maiores casos de superação dessas Olimpíadas. O episódio da perda de seu pai, um de seus maiores incentivadores, no ano de 2020, foi um ponto marcante na história do brasileiro, que mirava o pódio nas Olimpíadas como uma forma de homenagear seu pai. Em uma entrevista, Netinho evidenciou a importância de seu pai: “Eu quis desistir em duas partes da minha vida, e meu pai sempre falava: ‘Para mim você é um campeão, mas, a partir do momento em que você desistir, você passa a ser um perdedor’. Isso sempre ficou na minha cabeça.” Outro ponto que pesava contra sua chance de medalha era sua suspensão do esporte até abril deste ano, por conta de doping. Mesmo assim, apesar de todas as adversidades, incluindo uma derrota em sua primeira luta, Edivaldo foi capaz de se reerguer e conquistar um lugar no pódio para si, para o Brasil e também para seu pai que sempre o apoiou. Por conta de sua trajetória, o jovem nordestino exemplifica perfeitamente o espírito olímpico, que nos mostra que as verdadeiras vitórias na competição vão muito além de uma conquista do primeiro lugar, sendo, essencialmente, a superação individual.
O Taekwondo, uma arte marcial originária da Coreia, evoluiu de uma prática cultural dos guerreiros do reino de Silla para um esporte global reconhecido pelo COI. Inicialmente praticado como uma forma de defesa e desenvolvimento moral, o Taekwondo sofreu uma pausa durante a ocupação japonesa, mas foi revitalizado após a independência coreana. A formalização do Taekwondo em 1955 e a criação da Federação Mundial de Taekwondo (WTF) foram fundamentais para sua expansão global. A inclusão do esporte nas Olimpíadas, a partir de 2000, marcou sua consolidação internacional. Jogos Olímpicos recentes, como os de Paris 2024, destacam a crescente competitividade e a diversidade de países que conquistam medalhas, evidenciando o impacto global do Taekwondo. Por fim, histórias de superação, como a do brasileiro Edivaldo Pontes, ressaltam o espírito olímpico do esporte, que transcende suas origens culturais para se tornar uma modalidade de destaque mundial.
Referências
https://www.sulsport.com.br/historia-do-taekwondo/
http://rededoesporte.gov.br/pt-br/megaeventos/olimpiadas/modalidades/taekwondo
https://torah.com.br/a-historia-do-taekwondo/
https://www.educamaisbrasil.com.br/enem/educacao-fisica/taekwondo
https://www.grupoeduc-kr.com/post/os-tr%C3%AAs-reinos-da-coreia