Pedra por pedra, o levantamento de uma fortaleza
Análise financeira do crescimento do Leão do Pici
Por Luigi Dal Medico, Luan Azevedo, Luiz Schalka e Danilo Lara
O futebol cearense na última década conseguiu uma ascensão meteórica. E o Fortaleza, como metade da diarquia no ceará, não foi diferente. Até o meio da década de 2010, o clube centenário, com feitos relevantes em sua história, principalmente os vice-campeonatos brasileiros nos anos 1960, vivia um momento conturbado. Entre 2006 e 2009, o clube despencou da série A para a série C do campeonato brasileiro, e em 2011 correu sérios riscos de ir para a última divisão do futebol nacional.
Mas, no meio de tantos resultados ruins, surge uma faísca de profissionalismo que mudou a história do Leão do Pici. A chegada de Marcelo Paz em 2015 no clube trouxe uma mudança de mentalidade. Em entrevista ao UOL, o atual presidente declarou: “Uma das primeiras ações que tivemos foi contratar uma consultoria para tratar um plano estratégico com metas e objetivos. O clube não é só futebol. Tem licenciamento, marketing, a parte contábil. Outra medida é que toda diretoria foi formada de forma técnica, não foi de forma política. Todo diretor tem conhecimento técnico naquela área”. E para ter as rédeas do time em campo, foi chamado um notório profissional, Rogério Ceni, que pelo seu trabalho é um ídolo inquestionável.
Essa mudança de mentalidade refletiu nos positivos resultados esportivos nacionais desde 2017: acesso a série B, conquista da série B no centenário do clube e a Copa do Nordeste em 2019 e 2022 e classificação ao mata-mata da Libertadores neste ano. E neste case do Fortaleza EC, verificaremos se toda essas reformas no clube refletiram em suas finanças.
Evolução dos ativos e das obrigações financeiras
Iniciando a análise contábil do Fortaleza, de maneira geral podemos perceber como a profissionalização do clube cearense demonstra resultados gritantes, tanto economicamente, como esportivamente. Como apresentaremos a seguir, o ativo do clube cresceu exponencialmente, e os passivos estão sobre controle. Empréstimos e financiamentos hoje, são menos que o valor disponível em caixa, sinais de alta liquidez dos ativos do clube.
Tratando especificamente sobre o ativo, é possível identificar como ele cresceu ao longo dos últimos 4 anos. A boa gestão do caixa ,sabendo da realidade do clube e da situação nacional, proporcionou ao Fortaleza um sucesso gradual, desde a permanência na primeira divisão, até a classificação para a Libertadores da América. Observando o gráfico, é possível ver como a última conquista impulsionou e muito a realidade do clube, que tem ao longo de 2022 a dura tarefa de controlar as expectativas e firmar como um dos clubes brasileiros que frequentam a competição continental, para assim não entrar na grande massa de clubes que alçaram voos de galinha ao longo dos anos.
Tratando-se especificamente de caixa verificamos como o clube dobra o seu montante disponível com o acesso para a série A em 2019, e claro, tem seu dispêndio de dinheiro para a manutenção do clube na divisão em 2020. Assim sendo, permanecendo na série A, o clube passa a usufruir das arrecadações de direitos de imagem e premiações investindo parte desse dinheiro em aplicações (incomum no futebol nacional) e gastando a outra em reforços para o clube, vide o crescimento gigante do ativo intangível do clube ( atletas e estruturas vinculadas ao clube).
O dinheiro gasto pela diretoria do leão do pici foi praticamente integralmente voltado para a aquisição de novos atletas, muitos deles importantes para o sucesso no campeonato nacional, como Yago Pikachu, que foi peça chave na classificação para a Libertadores. Ademais, o gasto em formação de atletas foi tímido, uma vez que o clube não tem esse histórico e trata-se de um investimento a longo prazo, que o clube ainda não tem condições de esperar gerar frutos. De maneira geral, o clube apresentou um resultado esplêndido fora e dentro das quatro linhas, cabe agora a diretoria e a torcida a compreensão da realidade do clube, para que em menos ele possa alçar vôos maiores ainda.
Receitas e despesas: resultados financeiros positivos
O período de 2016 a 2017 significou os dois últimos anos da longa batalha do Fortaleza na terceira divisão do campeonato brasileiro. Assim, houve um cenário semelhante no que se refere às receitas e despesas, que giravam na casa dos 20 a 25 milhões de reais. Pode-se dizer que o clube se manteve estável financeiramente e adequado à sua realidade, planejando melhorias administrativas que seriam notadas nos anos seguintes, com o acesso às divisões superiores do futebol nacional.
De 2017 para 2018, pode-se observar grande crescimento dos valores de patrocínio arrecadados pelo clube. A visibilidade que o treinador Rogério Ceni ajudou a trazer pode explicar a atração de contratos mais expressivos de patrocínio. Além disso, o aumento considerável nas receitas vindas de mensalidades indica evolução no programa de sócio-torcedor. Essa conta triplicou de aproximadamente R$ 6 milhões para R$ 18 milhões em 2 anos (2017–2019).
As cotas de TV em 2019, primeiro ano do Leão em sua volta à primeira divisão, bem como as premiações por performance, permitiram aumento vertiginoso das receitas. As despesas, por sua vez, também aumentaram muito, já que era preciso reforçar o plantel para a disputa da série A. Houve superávit de R$ 3.444.392,81 no exercício de 2019
2020, ano de pandemia e jogos com portões fechados, foi de queda nas receitas de todos os clubes de futebol. Com o Fortaleza não foi diferente, sendo que a receita bruta de futebol, que vinha de grande aumento no empolgante ano de 2019, caiu de R$ 95 milhões a R$ 66 milhões. Além disso, foi um ano de performances inconstantes em campo, na ausência da apaixonada torcida tricolor, sendo que a 16ª colocação no campeonato brasileiro também teve seu impacto. Com isso, em função da manutenção das despesas administrativas, e da redução das receitas do futebol, o Fortaleza encerrou o exercício de 2020 com déficit de R$ 9.787.635,30.
No ano de 2021, histórico para o Fortaleza Esporte Clube, as receitas aumentaram para a ordem de R$ 148 milhões no futebol e R$ 158 milhões totais líquidos, sendo que, ao fim do exercício, houve um impressionante superávit de R$ 15.300.604,64. Mesmo com a bilheteria não atingindo os maiores índices, em razão do retorno gradual do público, todas as contas relacionadas ao desempenho do time tiveram aumento. As premiações por performance atingiram R$ 34 milhões, devido às belas campanhas no Brasileirão e na Copa do Brasil (4º lugar e melhor colocação de equipes nordestinas na era dos pontos corridos, e semifinalista, respectivamente). Os custos das atividades esportivas também foram significativamente elevados. No entanto, esse maior investimento possibilitou a melhor temporada da história do clube, com tricampeonato cearense invicto e classificação à Libertadores.
Liquidez corrente: não ideal, mas melhorando
No índice de liquidez corrente, os feitos dentro de campo ainda se comprovam nas finanças. Desde seu período turbulento na série C até a ascensão à elite do futebol nacional, o índice demonstra que o clube está mais estruturado, mais resiliente a uma crise. Mesmo o ápice desse índice no período não é um indicativo de uma firma saudável, porém, a velocidade de melhora indica sérios motivos de otimismo para o futuro do clube.
Em suma
Existem times que constroem seu sucesso penhorando seu futuro: adiantando arrecadações, postergando obrigações, fazendo alavancagens irresponsáveis. Estes clubes, embriagados num sucesso inconsequente, uma hora vão ter de sofrer a ressaca da maneira como é administrado. Esse foi o caso emblematizado pelo cruzeiro (a FEA Sports Business já fez uma análise do clube, confira aqui), porém, a história do Fortaleza é diferente.
Após uma análise contábil das finanças do Fortaleza, verifica-se que toda a ascensão pelas divisões do futebol nacional até disputar a copa Libertadores reflete nas planilhas. Os números nos contam um clube mais estruturado, uma gestão séria, uma montagem de um plantel mais competitivo, todos sinais de uma evolução do clube. Um sinal de um clube sério é também a qualidade e transparência dos demonstrativos financeiros, um critério que a equipe cearense cumpriu. Apesar de ainda não ser um clube-modelo, e também não possuir a magnitude de outros no cenário nacional, o passado recente mostra o quanto o futuro do clube é promissor.
PS: A análise contábil só é possível ser feita com os dados já publicados, de 2021 e antes. Portanto, não reflete a situação no ano de 2022 e o momento turbulento do clube no campeonato brasileiro
Referencias