FLAMENGO: A REESTRUTURAÇÃO PARA SER CAMPEÃO

FEA Sports Business
23 min readAug 11, 2021

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Uma análise administrativa/financeira do clube rubro negro carioca.

Por Bruno Matareli, Kaique Oliveira, João Mesquita, Luan Azevedo, Lucas Muniz e Luigi Dal Medico.

DE UM PASSADO GLORIOSO…

O Clube de Regatas Flamengo é um time de massa, gigante em torcida e impacto no cenário brasileiro e sul-americano. Possuindo ídolos como Zico, Júnior, Adriano, Petkovic, de grandes glórias e conquistas no passado (como o título da Libertadores de 1981), o rubro negro carioca é o clube que domina, nos dias de hoje, o futebol brasileiro em termos de gestão, captação de recursos, elenco e desempenho. Considerado por muitos como o time a ser batido, o exemplo a ser seguido, o time que todos os jogadores querem jogar (segundo o atacante Gabriel Barbosa, popularmente conhecido como “Gabigol”). Esse Flamengo é fruto de uma administração estratégica e muito bem organizada, a qual trouxe o clube de adversidades financeiras extremas, no início da década de 2010, à potência avassaladora no final da mesma década.

Zico, o maior ídolo da história do Flamengo - Fonte: Lance.com

Segundo pesquisa realizada pelo Datafolha este ano, cerca de 18% dos brasileiros torcem para o time rubro-negro. Caso escolhêssemos um torcedor entre essa massa de mais de 38 milhões de pessoas, em 2010, e perguntássemos se ele acreditava que, naquela década, o time ganharia uma Copa do Brasil, uma Libertadores, dois Campeonatos Brasileiros, além de dominar o cenário nacional, o mesmo, com certeza, pensaria no time recém-formado pela presidente do clube à época, Patrícia Amorim, e que contava com astros, como Thiago Neves e Ronaldinho Gaúcho. Naquele momento, o torcedor estava encantado, pois se formava o “Bonde do Mengão Sem Freio”. Contudo, mal sabiam os torcedores que, daquela gestão, a herança seria um fardo e não um motivo de orgulho.

Após 3 anos de mandato e diversos escândalos, Patrícia Amorim não se reelegeu. Com apenas um título carioca em 2011, pouco para um time que tinha jogadores recebendo cifras mensais milionárias e uma dívida de aproximadamente 750 milhões de reais. Por conseguinte, sua gestão mais do que contestada chegou ao fim, com um time desestruturado, e perspectivas futuras nada animadoras para um clube que ainda parecia “estar de ressaca” do título do Campeonato Brasileiro de 2009 e, ao mesmo tempo, muito longe de repetir os gloriosos feitos da década de 80.

Time do Flamengo em 2011, que contava com Thiago Neves e Ronaldinho Gaúcho - Fonte: Estadão.com

PLANEJAMENTO! FLAMENGO E SUA CAPACIDADE DE CUMPRIR COM SUAS PENDÊNCIAS

Em 2013, Eduardo Bandeira de Mello, administrador com carreira de 35 anos no BNDES, foi eleito presidente do Flamengo. Tendo o apoio do maior ídolo da história do clube, Zico (o Galinho de Quintino), em sua campanha presidencial pela então “Chapa Azul”, prometeu, junto a profissionais gabaritados do mercado - Luiz Eduardo Baptista (presidente da Sky Brasil), Carlos Langoni (executivo com longa carreira no Banco Central) e Flávio Godinho (executivo do Grupo EBX) -, organizar as finanças do clube, explorar a marca e profissionalizar a gestão. Objetivava que, no futuro, os frutos de uma modernização administrativa pudessem ser colhidos.

Bandeira de Mello na campanha da Chapa Azul - Fonte: Globoesporte.com

A então nova equipe de gestão do Flamengo, encabeçada por Bandeira de Mello, definiu uma política de austeridade para o primeiro triênio, tendo em mãos um clube que, a cada R$1,00 arrecadado, tinha que pagar R$3,60 de dívidas. A abordagem foi contratar jogadores que cabiam no orçamento e que manteriam, dentro da nova realidade, o time o mais competitivo possível. A missão não foi fácil, com o time rubro negro, na época, perdendo Vagner Love para o futebol russo (foram-se os gols e ficaram as dívidas do passe do jogador). Mesmo com um elenco mais modesto no primeiro ano de mandato de Bandeira de Mello, o time foi campeão da Copa do Brasil e garantiu uma vaga na Libertadores - essenciais para aumentar as receitas de premiações e cotas de transmissão para o clube.

O foco dessa nova gestão era aumentar a credibilidade do clube no mercado, renegociando dívidas com honestidade, adequando-se à difícil realidade financeira. Entrementes, essa foi a parte crucial da “fórmula de sucesso”, conseguindo, gradativamente, negociações benéficas e reduções das exigibilidades (será destacado no tópico “Análise Financeira - Endividamento Geral e Balanço Patrimonial”). Não obstante, refinou-se o planejamento à nível de excelência, principalmente nos pontos em que o clube teria gastos previsíveis, sem distorções e desvios, o que tornou o controle das finanças uma prática mais consistente.

Por sua vez, o uso da criatividade merece destaque para que a arrecadação do clube fosse alavancada. Os gestores recorreram a um marketing pautado na rentabilização de uma marca registrada do clube rubro negro: sua torcida -conhecida como “nação”. Ainda no primeiro triênio, foi lançado o programa de sócio torcedor e feito o licenciamento de diversos produtos, permitindo que a torcida pudesse se mobilizar em prol do clube. Além disso, foi essencial no intuito de mostrar o tamanho da marca Flamengo e, subsequentemente, atrair melhores contratos de patrocínio.

Pelo lado das dívidas, o foco se manteve na racionalidade e no controle. Por meio da Lei Profut, sancionada em 2015 pela então Presidente da República Dilma Rousseff, o clube carioca conseguiu renegociar seus débitos fiscais, além de diminuir, majoritariamente, suas dívidas trabalhistas e tributárias.

Além disso, a base do Flamengo, conhecida por revelar craques - Zico, Adriano, Junior, Gerson, Leandro, Juan, Júlio César, Renato Augusto -, já vinha, desde a gestão de Patrícia Amorim, passando por um processo de reestruturação pelas mãos de Carlos Noval. Justamente por ser um trabalho consistente, perdurou-se na gestão Bandeira de Mello, realizando diversos investimentos nas categorias de base para possibilitar o desenvolvimento de grandes jogadores que, além de acrescentar ao elenco (retornos técnicos), trariam retornos financeiros e, consequentemente, acelerariam o processo de reestruturação financeira do clube.

Os investimentos e a continuidade do trabalho deram resultados. Surgiram joias e com elas vieram as cifras. Dentre os primeiros frutos, estava o lateral esquerdo Jorge, que jogou bem na equipe principal e foi negociado com o AS Mônaco da França, no início de 2017. Depois, vieram Vinicius Junior e Lucas Paquetá, duas joias, que tiveram suas oportunidades no time titular do Flamengo, mas tiveram seu maior protagonismo em suas transferências: Vinicius Junior foi negociado com o Real Madrid em 2017, e Paquetá foi vendido ao AC Milan no fim da temporada de 2018.

A última grande cartada se deu com Reinier em 2019, o qual também se transferiu para o Real Madrid. Os valores das transferências citadas e suas respectivas importâncias para as receitas do clube serão abordadas no tópico “Análise Financeira - Receita Operacional líquida”, em conjunto com os investimentos feitos nas categorias de base para obter tais retornos, tanto técnicos quanto, principalmente, financeiros - sendo que é inegável o sucesso da base como um recurso muito bem explorado e de suma importância na reestruturação do clube.

Vinicius Jr. e Paquetá - Fonte: Colunadofla.com

Após sua reeleição em 2016, Bandeira de Mello iniciou, então, o triênio do investimento: o projeto do novo Centro de Treinamento, prometido no início de sua gestão, ainda em 2013, foi colocado em prática. Desejado há anos, o projeto foi finalizado no fim de 2018, como último ato de sua ótima gestão, sendo que o CT possuía uma infraestrutura invejável, digna de um grande clube europeu. Além disso, foram feitos investimentos no elenco de forma estudada e gradual.

Iniciou-se um projeto de equipe campeã, com contratações, como Paolo Guerrero, Diego, Everton Ribeiro e Vitinho - feitas de forma espaçada e em janelas diferentes -, as quais trouxeram aos torcedores a luz de que a paciência valeria a pena: estava sendo construída uma equipe competitiva, sem gastos irreais e criação de dívidas ameaçadoras.

Diego e Everton Ribeiro - Fonte: Colunadofla.com

Ainda que extremamente competente, a gestão de Eduardo Bandeira de Mello se encerra em 2018, tendo, dentro de campo, a Copa do Brasil de 2013 como a sua maior conquista e, fora dele, a exemplar e irretocável reestruturação do clube.

Clubes normalmente têm períodos marcados por títulos, grandes times que encantam e grandes rivalidades. Paralelamente a isso, o Flamengo teve um período marcado por uma gestão tão encantadora quanto o histórico time rubro negro carioca que impôs 3x0 ao Liverpool em 1981.

Em 2019, Rodolfo Landim colhe os frutos de uma gestão próspera. Com a chegada de Bruno Henrique, Gabigol, Arrascaeta, Gerson, Rafinha, Filipe Luís e Jorge Jesus, o time alcança glórias históricas: um time que encanta, com cacife para montar o timaço que montou, e mantê-los por tempo suficiente para galgar hegemonia. Ademais, resistindo às investidas de clubes europeus, e indo na contramão do visto no cenário nacional ao repatriar brasileiros que se encontravam no velho continente. O Flamengo traçou num mapa o caminho para a reconstrução do futebol brasileiro e sua revitalização, um processo sacrificante, porém possível. Por conseguinte, voltou a ser como diz seu hino: “Consagrado no gramado. Sempre amado, o mais cotado”.

ANÁLISE FINANCEIRA - ENDIVIDAMENTO GERAL E BALANÇO PATRIMONIAL

Primeiramente, a fim de melhor averiguar sobre a reformulação administrativa e financeira do Flamengo, é fulcral destacar o principal ponto: o controle do endividamento do clube rubro negro, por meio de uma política de austeridade fiscal - como já mencionado anteriormente. Isso pode ser verificado, conforme o gráfico abaixo.

Gráfico 1 - Índice de Endividamento Geral do Flamengo.

O gráfico do Índice de Endividamento Geral (indicador do quanto o ativo total da organização é financiado com capital de terceiros) demonstra grandes avanços por parte do clube carioca na redução de suas exigibilidades: apresentou notória redução, especialmente no recorte temporal de 2013 a 2017. Esse ponto é extremamente relevante na análise, haja vista que, quanto maior a dependência do capital de terceiros, maior a tendência do clube a apresentar dificuldades para pleitear com seus credores na realização de melhores negócios - acabando, provavelmente, por acatar o proposto pelas outras partes envolvidas (ponto que ainda será melhor desenvolvido nessa análise dos indicadores de endividamento e do Balanço Patrimonial do Flamengo) . Nesse sentido, esse decréscimo foi crucial para evitar essa tendência.

Não obstante a isso, esse indicador financeiro também tem relação direta com a quitação das exigibilidades de longo prazo do clube, em conjunto com o aumento dos ativos não circulantes e circulantes, conforme os gráficos a seguir.

Gráfico 2 - Evolução Ativos e Passivos não Circulantes (observação: AH refere-se a análise horizontal ano-base feita, comparando o recorte histórico ao ano de 2013).

O gráfico acima corrobora, por meio da análise horizontal ano-base (2013) para os ativos e passivos de longo prazo do clube, o explicitado no parágrafo anterior: a evolução financeira demonstrou-se clara e essencial para a subsequente redução do Endividamento Geral do “clube da Gávea”. Um exemplo disso é o ano de 2017, o qual apresentou Ativo não circulante R$ 218.733.000 maior ao contrastar com 2013 (equivalente aos 69% apresentados no gráfico) e Passivo não Circulante R$ 275.413.000 menor ao comparar com o mesmo período (equivalente aos -46% presentes no gráfico).

Outrossim, visualizando mais detalhadamente esse recorte temporal frisado de 2013 a 2017, é de suma relevância destacar a conta Impostos e Contribuições Sociais, a qual reduziu seu valor em R$ 70.570.000 (confirmando a expressiva redução das dívidas tributárias e trabalhistas, já mencionada no tópico “Planejamento! Flamengo e sua capacidade de cumprir com suas pendências” - influenciada positivamente pela Lei Profut) . Essa conta foi um dos integrantes das exigibilidades de longo prazo que possuiu maior variação em seu valor, sendo que essas reduções estão intimamente relacionadas ao aumento da capacidade do rubro negro carioca de pagar suas pendências. Contudo, é essencial focalizar uma conta em especial, ainda não mencionada, a qual é integrante das exigibilidades de pagamento em mais de 1 ano, e que retrata fidedignamente a importância da reestruturação financeira do clube carioca: a conta Empréstimos.

Gráfico 3 - Passivo Não Circulante - Empréstimos (observação: valores do gráfico estão em milhares de reais).

Observando o gráfico apresentado, fica em evidência a queda vertiginosa de pendências em relação a empréstimos, principalmente as de longo prazo, as quais chegam a zerar durante os anos de 2017 e 2018. Ou seja, notou-se uma efetiva consolidação do trabalho iniciado em 2013, eliminando os juros que essas operações de tomadas de empréstimos incorrem - sendo isso um ponto extremamente positivo, visto que esses juros afetam diretamente o caixa de vários clubes do país. Ademais, vale também ressaltar que esse equilíbrio financeiro também dá poder político ao clube. A fama de bom pagador permite ao clube barganhar em muitas situações, desfrutando de maiores quantias e menores juros.

Gráfico 4 - Evolução Ativo Circulante (observação: AH refere-se à análise horizontal ano-base feita, comparando o recorte histórico ao ano de 2013).

Além disso, com base no gráfico acima, é essencial ressaltar também o exponencial crescimento do Ativo Circulante observado a partir de 2016, mas, em especial, no ano de 2019, que teve valor R$ 137.726.000 maior ao contrastar com 2013. Isso se deve ao aumento, primordialmente, tanto da conta Caixa e equivalentes de caixa quanto de Contas a receber e Contas a receber das transferência de jogadores. Ambos os crescimentos das contas são consequências diretas do ano mágico vivido pelo clube naquele ano, com a conquista de títulos (Campeonato Brasileiro e Copa Libertadores), expansão da marca comercialmente e venda de atletas.

Todos esses pontos podem ser melhor compreendidos, juntamente com o crescimento do Ativo não Circulante e aumento da capacidade de quitação das exigibilidades de longo prazo, por meio da análise das evolução das receitas do clube neste recorte temporal de 2013 a 2020.

ANÁLISE FINANCEIRA - RECEITA OPERACIONAL LÍQUIDA:

Gráfico 5 - Receita Operacional líquida (observação: valores do gráfico estão em milhares de reais).

Com base no gráfico acima, nota-se um significativo aumento da receita operacional líquida entre 2015 a 2017, seguido por uma ligeira queda em 2018, e um enorme crescimento em 2019. Já em 2020, houve um acentuado decréscimo dos valores arrecadados, principalmente devido aos impactos financeiros acarretados pela pandemia do COVID-19.

Podem ser citados cinco principais integrantes das receitas, que impactaram diretamente nos valores registrados deste recorte temporal: Bilheteria, Patrocínio, programa Sócio Torcedor, Direitos de Transmissão e Repasses de Direitos Federativos. Nesse sentido, analisar-se-á cada um desses integrantes a fim de averiguar a sua respectiva relevância.

Gráfico 6 - Receita Operacional líquida - Patrocínio (observação: valores do gráfico estão em milhares de reais).

O gráfico acima mostra o comportamento das receitas geradas pelos patrocinadores ao longo dos anos. Entre os anos observados, desde 2013, o clube tem geração de receita superior ao primeiro ano do mandato de Bandeira de Mello, tendo como principais parceiros comerciais: Caixa Econômica Federal, Yes Escola de Idiomas, MRV, Tim e Carabao. Este, que garantiu um contrato, em 2016, de 190 milhões de reais e com previsão de shares de receita de vendas.

É interessante observar que, ao longo de 2020, há um aumento nas receitas geradas com patrocínios, apesar da crise sanitária. Como pontos interessantes para justificar esse crescimento, cita-se a FlaTV (canal oficial do Flamengo) que, conforme expresso pelo vice-presidente de marketing do clube, Gustavo Oliveira, “é uma opção importante para ações promocionais dos anunciantes, seja pela sua audiência, seja pelo forte engajamento de seus torcedores com o canal, seja pela sua flexibilidade comercial”. Como consequência a esses pontos positivos, destaca-se a parceira firmada com a Amazon Prime Video, plataforma de streaming, para divulgação do lançamento da segunda temporada da série “The Boys”.

Ademais, esse aumento no exercício de 2020 a tornou o segundo principal fator impactante da receita operacional recorrente bruta. Devido a isto, houveram crescimento nos adiantamentos de recebidos e, consequentemente, um aumento na receita líquida geral.

Gráfico 7 - Receitas - Sócio Torcedor e Bilheteria (observação: valores do gráfico estão em milhares de reais).

As receitas com bilheteria e o programa Sócio Torcedor tenderam a comportamentos distintos ao longo dos anos. Primeiramente, em relação ao valor arrecadado com Sócio Torcedores: embora a forte adesão e planejamento advindo da diretoria do clube, no início da gestão de Bandeira de Mello, em relação ao programa, apenas de 2017 em diante que essa conta realmente se consolidou com um notório comportamento crescente - visto que, conforme o gráfico, as oscilações com acréscimos e decréscimos foram mais presentes entre 2013 e 2016. Para se ter uma noção, registrou-se um incrível aumento de 191% em 2020, segundo a análise horizontal ano-base (2013).

Por sua vez, a conta Bilheteria portou-se de maneira mais estável até 2017, com ligeiros aumentos e decréscimos. Porém, em 2019, atingiu seu pico, com uma receita de aproximadamente 109 milhões de reais. Isso se deve principalmente ao sucesso das temporadas no futebol e em outros esportes, bem como ao programa Sócio Torcedor e ao sucesso das plataformas de mídias digitais como YouTube, Instagram, Twitter e Facebook - todos eles relacionados a uma “nação” de torcedores rubro negros, ou seja, milhões de torcedores que diariamente rendem capital ao clube (inclusive esse fato será melhor compreendido na análise dos valores arrecadados com direitos de transmissão).

Gráfico 8 - Receitas - Direitos de Transmissão (observação: valores do gráfico estão em milhares de reais).

Ademais, tal como expresso no gráfico acima, é crucial entender que o fato do Flamengo, como um clube de “massa”, possuíra uma série de aficionados, dispostos a despender tempo e dinheiro (assinaturas de pay-per-view) com intuito de acompanhar seu clube de coração. Como resultado, é um dos clubes brasileiros que mais recebe com cotas de direitos televisivos, sendo isso um aspecto extremamente importante em sua reestruturação, visto que é o componente mais relevante na composição das arrecadações do clube: em primeiro momento, destaca-se os altos valores já arrecadados em 2013, mesmo com o clube em delicada situação financeira - em termos comparativos, o clube rubro-negro arrecadou o equivalente a 228% do valor que o seu rival Botafogo recebeu no mesmo (para mais informações acerca do alvinegro carioca, a FEA SPORT BUSINESS já realizou uma análise financeira do “clube da estrela solitária”).

Outrossim, notou-se um crescimento praticamente linear até 2015 (o que é esperado, visto que, apesar da política de austeridade fiscal, o clube tornou-se mais competitivo com o passar do tempo - por exemplo, em 2013, finalizou o campeonato Brasileiro na décima sexta posição e, no ano subsequente, na décima posição). Por sua vez, foi registrado o maior valor desse recorte temporal, em consequência do contrato de cessão de direitos de transmissão firmado à época com a Rede Globo de Televisão, suscitando o direito irrestrito de recebimento de luvas (ou bônus de assinatura) pelo clube no montante de R$ 120.000.000 - sendo que se pode atribuir o bom acordo fechado com o momento que o clube vivia, voltando a investir pesadamente no futebol, com diversas contratações, tal como a do meia Diego Ribas (novamente, remetendo-se ao campeonato Brasileiro, como reflexo de seus investimentos, o clube finalizou a edição de 2016 na terceira colocação - nove posições a frente em comparação ao ano anterior).

Nos anos seguintes, notou-se relativa estabilidade dos valores recebidos entre 2017 e 2019, com a esperada queda mais acentuada em 2020, devido aos impactos das medidas de restrições sociais adotadas para mitigar os efeitos da pandemia do COVID-19.

Gráfico 9 - Receitas com Repasse de direitos federativos (observação: valores do gráfico estão em milhares de reais).

Por fim, dentro dos componentes de receita operacional líquida, é essencial destacar a clara expansão, ao longo dos anos, dos valores gerados em vendas de jogadores. Dentro desse crescimento, é importante elencar dois pontos, ambos referentes ao período de 2016 em diante: o primeiro é o fato de que, com o excelente controle das exigibilidades até 2016, o “clube da Gávea” fugiu do retrato de boa parte dos clubes brasileiros altamente endividados, os quais necessitam, com maior urgência, vender seus atletas a fim de quitar suas obrigações financeiras, principalmente as de curto prazo (vide exemplos, como o Corinthians - para mais informações a FEA SPORT BUSINESS produziu uma análise financeira do clube alvinegro paulista). Nesse sentido, com a possibilidade de maior extensão dos prazos de negociação, provavelmente, o clube teve maior capacidade de realização de melhores negócios (casos como o de Lucas Paquetá, em que o Flamengo conseguiu perdurar a negociação do atleta por mais tempo para que o mesmo pudesse atuar mais vezes pelo clube - gerando também retorno técnico).

O segundo ponto, intimamente relacionado ao primeiro, é o excelente retorno financeiro advindo do Repasse de Direitos Federativos de atletas formados nas categorias de base do clube, os quais são os principais responsáveis pelos altos valores contabilizados, visto o colossal valor de R$ 598.649.000 arrecadado, a partir de 2017, com a venda de 10 jogadores das categorias de base do clube, com destaque para as 3 maiores vendas: Vinicius Júnior (vendido ao Real Madrid por R$ 150.432.000 - na data da transação), Lucas Paquetá (vendido ao AC Milan por R$ 150.000.000 - na data da transação) e Reinier (vendido ao Real Madrid por R$139.101.000 - na data da transação). Todos os valores e atletas negociados podem ser observados, conforme o gráfico abaixo.

Gráfico 10 - Receitas com principais vendas de atletas da base (observações: valores do gráfico estão em milhares de reais; valores em preto - referentes a transações realizadas em 2017 -, valor em azul - referente a 2018 -, valores em vermelho - referentes a 2019 - e valores em branco - referentes a 2020).

Ressalta-se que todos os valores angariados com as vendas desses atletas provém de um excelente planejamento estratégico do clube, o qual passou a dar grande atenção às suas categorias de base. O gráfico a seguir é uma prova cabal disso:

Gráfico 11 - Investimento - atletas em formação (observação: valores do gráfico estão em milhares de reais).

Como observado, o investimento rubro negro em sua categorias de base foi intenso. Maiores valores foram dedicados à construção de um novo CT, o “Ninho do Urubo” , responsável, hoje, por formar os mais qualificados atletas (como os apresentados anteriormente), e, consequentemente, contribuindo de forma decisiva nas finanças do clube. Além do mais, atletas como Lucas Paquetá, Vinicius Junior e Jorge chegaram a ter contribuições importantes para a equipe profissional, ressaltando a importância do uso da base para compor o elenco de um clube e não apenas como salvação de crises - o que ocorre em muitos clubes do país.

ANÁLISE FINANCEIRA - INDICADORES DE LIQUIDEZ

Como citado anteriormente, o ponto de virada financeira do Flamengo passa pela presidência de Eduardo Carvalho Bandeira de Mello, muito criticado pela torcida devido aos resultados dentro das quatro linhas, merecendo todos os elogios fora delas. O então presidente foi muito assíduo na sua proposta de cumprir as pendências do clube, da quitação das dívidas e da independência financeira do clube em relação à empréstimos - essa foi continuada até certo ponto pelo atual presidente Rodolfo Landim , ainda que afetada pela pandemia.

Tais políticas, culminaram na capacidade que hoje o Flamengo possui de realizar altos investimentos sem correr tantos riscos, uma vez que é capaz de cumprir com suas obrigações financeiras, como pode ser percebido ao analisar os indicadores de liquidez do clube, apresentados a seguir.

Gráfico 12 - Índices de liquidez

Para empresas normais o resultado do índice de liquidez corrente é ruim. Todavia, dado que os jogadores não são contabilizados no ativo circulante é necessário adequar a comparação, por isso comparamos o clube da Gávea a alguns de seus concorrentes. Portanto, dentro dessa perspectiva notamos como a diferença entre ambos é acentuada, na qual a liquidez corrente do Flamengo chega a ser o triplo da liquidez do Santos Futebol Clube.

Ademais, o índice de liquidez geral do clube chegou a um patamar próximo a 1, atestando que, desde 2017, o clube é capaz de cumprir suas obrigações e investir ainda mais para garantir sua hegemonia no país (o índice de liquidez geral é pouco utilizado na contabilidade convencional, todavia utilizamos o indicador porque inclui a contabilização de ativos importantes para a instituição, ainda que não contenha os direitos dos jogadores do clube).

ANALISE FINANCEIRA - INVESTIMENTOS E GRAU DE ALAVANCAGEM OPERACIONAL

Passado o período de reestruturação financeira, o Flamengo passou a realizar investimentos cada vez maiores, como se percebe no aumento das despesas com salários de funcionários e aquisição de direitos de jogadores na demonstração dos resultados financeiros, conforme gráfico abaixo.

Gráfico 13 - Evolução - Investimentos (observação: valores do gráfico estão em milhares de reais).

O Rubro-negro foi o clube sul-americano que mais gastou com transferência de jogadores nos últimos 3 anos e colheu os resultados dentro de campo: foram dois Campeonatos Brasileiros, uma Copa Libertadores, uma Supercopa do Brasil e dois Campeonatos Cariocas conquistados nesse período.

É notável que os gastos do Flamengo com a aquisição de novos jogadores tenham aumentado progressivamente ao longo dos últimos anos. Esse número só não aumentou em 2020, por conta da pandemia de Covid-19 que impôs sérias restrições financeiras aos clubes de futebol no geral.

Da esquerda para direita: De Arrascaeta, Gabriel Barbosa e Bruno Henrique. Três das contratações mais caras da história do Flamengo chegaram à Gávea em 2019 - Fonte: Lance.com

É plausível concluir que as campanhas vitoriosas do Flamengo, nos últimos 3 anos, foram frutos diretos da reestruturação financeira do clube, que permitiu a contratação de jogadores de destaque - os quais, por sua qualidade, acabaram dando resultados positivos rapidamente e se tornaram cruciais nas principais conquistas do rubro negro.

Dos 11 titulares que entraram em campo contra o River Plate na final da Copa Libertadores de 2019, 8 haviam sido contratados naquele mesmo ano - Fonte: CONMEBOL

O último indicador financeiro importante a ser analisado para compreender a situação financeira do clube é o grau de alavancagem operacional.

Manobras de alavancagem operacional consistem na tomada de empréstimos com o intuito de aumentar a rentabilidade de um negócio. Em outras palavras, a firma (ou nesse caso, o clube) toma dinheiro emprestado de terceiros e injeta-o em seu patrimônio líquido a fim de aumentar sua lucratividade. No entanto, quando a alavancagem não é bem conduzida ela pode resultar no aumento expressivo do endividamento.

Gráfico 14 - Grau de Alavancagem Operacional (observação: para o cálculo, utilizou-se o valor arrecadado na venda de jogadores).

A partir do gráfico é perceptível que o Flamengo, em comparação ao Atlético Mineiro (clube que se notabilizou recentemente por conduzir operações de alavancagem), conseguiu conduzir tais manobras de forma bem sucedida (para mais informações acerca do alvinegro mineiro, a FEA SPORT BUSINESS já realizou uma análise financeira do Atlético MG).

O primeiro indicativo do sucesso da administração flamenguista em realizar manobras de alavancagem operacional consiste no fato que todos os valores são positivos para o índice GAO. Esse resultado significa que a alavancagem não resultou no aumento dos custos e despesas operacionais. O outro indicativo é que os valores desse índice para o balanço do Flamengo são menores que os do Atlético Mineiro e a variação anual é mais sutil. Isso indica que o endividamento gerado pela alavancagem cresceu controladamente, ao contrário do clube mineiro e da maioria dos clubes brasileiros.

São raros os clubes brasileiros que conseguiram conduzir manobras de alavancagem operacional de forma bem-sucedida nos últimos anos, e como foi mostrado o Flamengo é um deles.

RESSALVAS…

Até que ponto o futebol é mais importante que questões sociais do cotidiano? Qual é a situação limítrofe que tira a prioridade do futebol dentro do contexto de um clube e a traz para o bem-estar social?

O Clube de Regatas Flamengo presenciou, no centro de treinamento George Helal em Vargem Grande, destinado aos atletas do time principal e das categorias de base, na madrugada do dia 08 de fevereiro de 2019, um incêndio no alojamento das categorias de base do time. 10 jovens não resistiram, 3 jovens ficaram hospitalizados e, com esses, 16 jovens sobreviveram. Um dia pra marcar negativamente a história desse clube, uma tragédia completamente evitável. O clube que se mostra um dos mais ricos da América Latina, que investiu milhões em seu novo CT e tem uma folha salarial robusta, alocou seus jovens em instalações longe do padrão do novo CT, instalações essas que apresentavam riscos de acidentes que infelizmente se concretizaram. Um alojamento bem estruturado e não improvisado é o mínimo que se esperava de um clube desse porte. Ter seus filhos com a integridade física preservada é o mínimo que os pais e familiares esperavam ao deixar seus filhos sob a tutela do clube.

Após a fatalidade, o clube negociou e ainda negocia indenizações, como se elas pudessem reparar o dano permanente causado. Um clube que teve em seus últimos anos a melhor gestão desportiva do país mostra que essa gestão tem suas falhas, que deveriam enxergar além dos números, além dos ativos, passivos e patrimônio. Um clube que vem marcando seu nome na história pelo encanto dentro de campo, mas que tem uma mancha inapagável em sua história Um erro inaceitável. Displicência e negligência combinadas com falta de empatia por parte de gestores que esqueceram que o bem maior de qualquer entidade é o ser humano; gestores esses que respondem criminalmente por esse erro, mas que usarão de seu poder monetário para não sofrerem sanções graves, enquanto as famílias já tiveram as piores sanções de suas vidas decretadas, sem fiança ou habeas corpus.

Jovens atletas vítimas da tragédia do Ninho do Urubu - Fonte: Veja.com

É inegável o poder que o Flamengo tem dentro do futebol brasileiro, por ser um dos times de maior torcida e maior impacto na população brasileira. Porém, o quanto isso empodera o clube é um fator questionável. Os clubes brasileiros vêm há tempos debatendo a possibilidade de alterar uma parte da Lei Pelé, permitindo que o time mandante de uma partida dentro de uma competição possa negociar e decidir de que forma e por quem será feita a transmissão da partida. Atualmente, a Lei Pelé define que, para a transmissão de uma partida ser realizada, a empresa responsável deve manter contrato com os dois times. Os clubes alegam que com a alteração, a captação monetária dos clubes deve aumentar, assim como a autonomia dos mesmos. A questão é que o Flamengo, sozinho, conseguiu levar a proposta ao então Presidente da República, Jair Bolsonaro, que sancionou uma MP que colocou em prática a proposta e ficou conhecida como “MP do Flamengo” mesmo tendo participação de outros clubes, mostrando o poder de influência que o clube tem nos bastidores.

Outra prova é a influência do Flamengo dentro da CBF e do âmbito esportivo brasileiro no geral. Atualmente, o cenário de pandemia o qual enfrentamos com muita resiliência, impede que os times joguem suas partidas com público nos estádios brasileiros. O Flamengo, porém, está mudando esse cenário de forma individual e unitária. O clube vem pressionando as autoridades municipais e estaduais para que o público em suas partidas como mandante seja liberado, postura que já trouxe algumas vitórias como a liberação parcial de público para o jogo de volta das oitavas de final da Libertadores 2021 e, agora, no início de agosto de 2021, junto ao STJD, a liberação parcial para a presença de público nos jogos do Campeonato Brasileiro de 2021. Tal permissão, mesmo recorrendo ao STJD, não seria aprovada para a grande maioria dos clubes, fato que traz descontentamento para muitas agremiações.

Rodolfo Landim e Jair Bolsonaro - Fonte: Elpais.com

Por fim, dentro das inúmeras polêmicas que vêm circundando a CBF, a mais nova é a anulação da eleição de Rogério Caboclo, acusado de assédio sexual por uma funcionária da Confederação. Fato curioso é a nomeação dos interventores, que comandarão, por 30 dias, a Confederação Brasileira de Futebol, foram eles Reinaldo Carneiro Bastos, presidente da Federação Paulista de Futebol e Rodolfo Landim, presidente do Flamengo, o presidente de um clube que está sob a alçada de uma confederação ter em suas mãos, mesmo que pelo período de 30 dias, o comando dessa confederação é um conflito de interesses sem precedentes. Não que as medidas tomadas nesse período beneficiem apenas o Flamengo, porém, dentro de uma abordagem discreta e arquitetada, esse presidente de clube pode alinhar os interesses da confederação aos do seu clube de forma plausível e defensável, por isso tais conflito de interesses deve ser combatidos e evitados. Inegável que a influência do clube no contexto permeia esse tipo de decisão, porém, o Flamengo não pode, dentro de seu momento favorável, se achar mais importante ou maior que seus iguais no esporte, pois não é em nenhuma hipótese.

Rodolfo Landim e Rogério Caboclo - Fonte: Cbf.com

EM SUMA…

Seguindo a toada que embala o futebol brasileiro, o clube rubro-negro via-se cada vez mais atolado em dívidas, fruto de gastos irresponsáveis e da busca pelos resultados no curto prazo. Esse era o Flamengo de uma década atrás. De lá pra cá, podemos notar que a situação financeira do clube encontra-se completamente diferente.

O clube, que possuía uma dívida quase quatro vezes maior do que sua arrecadação anual em 2013, apostou no planejamento de longo prazo para saldar suas pendências. Foram as jóias reveladas no “Ninho do Urubu” que possibilitaram, junto com uma gestão responsável e com estratégias de marketing eficientes, a “saída da lama” para o clube da Gávea. O caminho não foi fácil, passando por um jejum de títulos expressivos que desagradou até os torcedores mais austeros. Hoje, todavia, pode-se perceber que ele foi completamente justificado: as lembranças daquele futebol nada vistoso foi escamoteada por um mar de títulos e um futebol bonito, que agrada tanto os torcedores rubro-negros, como aqueles que apenas admiram o jogo dentro das quatro linhas.

Passada a experiência da recuperação do Flamengo, fica a lição para aqueles que enfrentam situação semelhante à qual o clube se encontrava na década passada - como Santos, Corinthians e Botafogo, também analisados pela FEA Sports Business: não basta acreditar que o caminho para o sucesso de uma instituição seja rápido como uma corrida de 100 metros rasos. A recuperação financeira assemelha-se muito mais a uma prova de maratona: o processo é doloroso, incômodo e sofrido, mas igualmente sustentável e recompensador no longo prazo.

FONTES:

Demonstrações financeiras - Flamengo

Flamengo segue com maior torcida do Brasil, segundo Datafolha.

De devedor à potência econômica.

Flamengo, de mais endividado à mais rico do país.

Flamengo: como o clube venceu a crise financeira e se tornou potência no Brasil

Incêndio no Ninho faz 2 anos: veja as indenizações, investigações e onde estão os 16 sobreviventes

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Demonstrações Financeiras - Botafogo

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A FEA Sports Business é uma entidade universitária da FEA USP, que tem como objetivo fazer parte da mudança e da profissionalização da gestão esportiva no país.

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